domingo, 10 de setembro de 2017

DOS DIREITOS DE VIZINHANÇA – DA PASSAGEM FORÇADA - AUSÊNCIA DE HUMANIDADE

DOS DIREITOS DE VIZINHANÇA – DA PASSAGEM FORÇADA  - AUSÊNCIA DE HUMANIDADE

DA PASSAGEM FORÇADA

Art. 1.285. O dono do prédio que não tiver acesso à via pública, nascente ou porto, pode, mediante pagamento de indenização cabal, constranger o vizinho a lhe dar passagem, cujo rumo será judicialmente fixado, se necessário.

§ 1º Sofrerá o constrangimento o vizinho cujo imóvel mais natural e facilmente se prestar à passagem.

§ 2º Se ocorrer alienação parcial do prédio, de modo que uma das partes perca o acesso à via pública, nascente ou porto, o proprietário da outra deve tolerar a passagem.

§ 3º Aplica-se o disposto no parágrafo antecedente ainda quando, antes da alienação, existia passagem através de imóvel vizinho, não estando o proprietário deste constrangido, depois, a dar uma outra.

Coloquei o voto da ilustríssima e grande humanista Ministra Nancy Andrighi sobre o direito de passagem e o direito à humanidade.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.370.210-RJ(2013/0052715-0)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE : WALDECIR MARTINS E OUTROS
ADVOGADOS : MARCOS POLO BRASIL DOS SANTOS E OUTRO(S)
LUIZ ANTÔNIO SALGUEIRO E OUTRO(S)
PAULO ROBERTO FREIRE E OUTRO(S)
RECORRIDO : MANOEL LUIZ CANDIDO FRAGOSO NETO
ADVOGADO : DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
Relatora: A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI

VOTO

Cinge-se a controvérsia em verificar a possibilidade de, a título gratuito, o cônjuge acompanhar sua esposa no exercício de direito de passagem, a ela garantido por meio de sentença transitada em julgado, bem como se esse exercício gratuito viola o art. 1.285 do CC/02.


Da violação do art. 1.285 do CC-02.

Na hipótese dos autos, o exercício de servidão de passagem em relação ao imóvel dos recorrentes foi garantido à cônjuge do recorrido por sentença transitada em julgado. A sentença dessa primeira ação reconheceu que, por ser “portadora de hérnia de grandes proporções” (e-STJ 64), a utilização da servidão era recomendada, embora não se tratasse de imóvel encravado, para facilitar-lhe a locomoção.

Todavia, o recorrido, por não ter sido parte nesta primeira ação, está sendo impedido de transitar pela passagem em companhia de sua cônjuge, razão pela qual propôs a presente ação.

De fato, é incontroverso não se tratar de imóvel encravado (ver descrição ao final), de modo que, a princípio, não seria devida a concessão de servidão de passagem. Entretanto, o reconhecimento do direito à utilização da passagem fundou-se em razões humanitárias, diante do excepcional estado de saúde da beneficiária.

Diante dessa realidade fática, o acórdão recorrido, apesar de afirmar que a sentença da primeira ação criou um “problema jurídico ” ao conceder
servidão de passagem exclusiva, concluiu que “a melhor forma de conciliar a situação é mantendo-se a integralidade da sentença, respeitando a servidão criada ” (e-STJ fl. 138).

Nota-se que o problema dos autos não é jurídico, pois o que se pleiteia não é propriamente o exercício ou a instituição de uma servidão de passagem. Trata-se na verdade de uma questão de solidariedade, de colaboração entre pessoas próximas, com fundamento essencial na dignidade da pessoa humana, fundamento constitucionalmente albergado, que deve ser observado por toda a comunidade brasileira.

Ora, em situações excepcionais, o julgador deve mesmo se desgarrar das amarras estreitas do formalismo jurídico, não para se utilizar de arbitrariedade, mas para dar humanismo à letra fria da lei. Essa é tipicamente uma dessas situações, em que somos surpreendidos pela perplexidade de alcançar a Corte Superior um processo em que se discute essencialmente desentendimentos entre vizinhos, em especial quando se envolve questões humanitárias que deveriam despertar sentimentos de compaixão e solidariedade.

É mais que razoável, é esperado que uma pessoa adoentada, portadora de “hérnia de grandes proporções” , não transite desacompanhada. E é absolutamente irracional a pretensão de que ela transite pela passagem sozinha, judicialmente garantida para facilitar-lhe o acesso e a locomoção, enquanto seu cônjuge ou qualquer outra pessoa que a acompanhe deva utilizar o caminho regular.

Sob essa ótica, causa perplexidade a utilização do Estado-Juiz para a busca de vendeta pessoal, completamente desgarrada de proveito jurídico, ou quiçá econômico, pois a restrição de acesso aos acompanhantes da favorecida pela servidão de uso, não objetiva fim juridicamente sólido.

Questionável, inclusive, a própria resistência inicial da parte à utilização da passagem pela companheira do recorrido, pois demonstra inaceitável desconsideração com os mais comezinhos princípios que regem as relações sociais, dos quais se deveria extrair a sobriedade necessária para a composição e, porventura, para a mera aquiescência do pleito inicial de trânsito, por reconhecido motivo de doença, pela propriedade do recorrente.

Apropriando-nos, de forma estreita, do existencialismo de Sartre, para quem “O homem nada mais é do que aquilo que ele faz de si mesmo (...)”, pesa, na hipótese, a ausência de humanidade.

Não se compraz o Direito com o exercício desarrazoado das prerrogativas legais enfeixadas pela propriedade, mormente quando brandidos sem uma consistente razão jurídica, devendo os operadores do Direito se acautelarem do uso indevido dos preceitos legais pois, citando novamente Jean-Paul Sartre (1987), “a nossa responsabilidade é muito maior do que poderíamos supor, pois ela engaja a humanidade inteira”.

Outrossim, uma vez que o direito de utilização já está garantido por decisão judicial, não há qualquer acréscimo no ônus decorrente da utilização da passagem por seu companheiro a fundamentar a pretensão de recebimento de indenização. Isso porque a compensação prevista no art. 1.285 do CC/02 tem por objetivo recompor a perda financeira decorrente da imposição de limitação em caráter permanente à propriedade do imóvel serviente, o que não ocorre na hipótese dos autos.

Ademais, como os recorrentes não impugnaram o fundamento do TJ/RJ de que não há acréscimo de ônus a justificar a condenação em indenização, aplica-se à hipótese a Súmula 283/STF.

Por fim, os recorrentes não demonstraram a similitude fática, tampouco realizaram o cotejo analítico entre os acórdãos recorrido e paradigma, elementos indispensáveis à demonstração da alegada divergência. Assim, a análise da existência do dissídio é inviável, porque foram descumpridos os arts. 541, parágrafo único, do CPC e 255, §§ 1º e 2º, do RISTJ.

Forte nessas razões, NEGO PROVIMENTO ao recurso especial. (grifos nosso)

IMÓVEL ENCRAVADO

Civil. Direitos de Vizinhança. Passagem Forçada (CC, art. 559). Imóvel Encravado. Numa era em que a técnica da engenharia dominou a natureza, a noção de imóvel encravado já não existe em termos absolutos e deve ser inspirada pela motivação do instituto da passagem forçada, que deita raízes na supremacia do interesse público; juridicamente, encravado é o imóvel cujo acesso por meios terrestres exige do respectivo proprietário despesas excessivas para que cumpra a função social sem inutilizar o terreno do vizinho, que em qualquer caso será indenizado pela só limitação do domínio. Recurso especial conhecido e provido em parte. (Superior Tribunal de Justiça – Terceira Turma/ REsp 316.336/MS/ Relator: Ministro Ari Pargendler/ Julgado em 18.08.2005/ Publicado no DJ 19.09.2005). (GRIFO NOSSO)

JULGADO RECENTE DO TJDFT

APELAÇÃO. CIVIL E PROCESSO CIVIL. PRELIMINAR DE INÉPCIA DO RECURSO REJEITADA. DIREITO À PASSAGEM FORÇADA.  AUSÊNCIA DE ENCRAVAMENTO DO BEM. SENTENÇA MANTIDA.

1. Repele-se a preliminar de inépcia do recurso se este observou os requisitos do artigo 514 do CPC/73, aplicável ao caso, apontando com precisão os fundamentos e os motivos para a reforma da sentença, em plena observância ao princípio da dialeticidade, ainda que o tenha feito de maneira objetiva.


2. O direito a passagem forçada decorre de lei e tem por fundamento a solidariedade social, no âmbito das relações de vizinhança, tendo a finalidade de evitar que o imóvel fique sem destinação ou utilização econômica, por ausência de acesso a via pública, nascente ou porto (encravamento). Difere-se da servidão por este constituir direito real sobre coisa alheia, que pode ser adquirido por ato de disposição de vontades ou de forma compulsória mediante o uso do instituto jurídico da usucapião, quando se tratar de servidão aparente (artigos 1349 e 1285 do Código Civil).

3. Demonstrado nos autos que o imóvel da parte requerente possui outras opções de acesso à via pública e que inexistem os requisitos legais, inviável a procedência do pedido do exercício da passagem forçada.

4. Preliminar rejeitada. Negou-se provimento ao recurso.
 

(Acórdão n.1014085, 20130810090935APC, Relator: FLAVIO ROSTIROLA 3ª TURMA CÍVEL, Data de Julgamento: 26/04/2017, Publicado no DJE: 10/05/2017. Pág.: 228/238)

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