domingo, 17 de setembro de 2017

MPG X BRADESCO E ENCOL – A hipoteca firmada entre a construtora e o agente financeiro, anterior ou posterior à celebração da promessa de compra e venda, não tem eficácia perante os adquirentes do imóvel (súmula 308 STJ) – Ação Civil Pública – Direitos Disponível – Legitimidade do Ministério Público – Competência universal do Juizado de Falências em detrimento ao do local do imóvel – Abrangência da sentença prolatada em sede de ACP

MPG X BRADESCO E ENCOL – A hipoteca firmada entre a construtora e o agente financeiro, anterior ou posterior à celebração da promessa de compra e venda, não tem eficácia perante os adquirentes do imóvel (súmula 308 STJ) – Ação Civil Pública – Direitos Disponível – Legitimidade do Ministério Público – Competência universal do Juizado de Falências em detrimento ao do local do imóvel – Abrangência da sentença prolatada em sede de Ação Civil Pública.

Em decisão recente o STJ decidiu e reiterou sua posição sobre o tema em comento em ação civil pública ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS contra o BANCO BRADESCO S.A. e a MASSA FALIDA DA ENCOL S.A. ENGENHARIA, COMÉRCIO E INDÚSTRIA, visando a declaração de nulidade das cláusulas contratuais e a ineficácia das hipotecas perante os consumidores/adquirentes de boa-fé, relativos aos Edifícios Embassy Tower (Brasília/DF), Torre I do Center 5 (Rio de Janeiro/RJ) e Tech Tower
(Belo Horizonte/MG)

O magistrado de 1º grau julgou procedentes os pedidos para anular as cláusulas que previam a possibilidade da construtora dar os imóveis, objetos de compra e venda, em garantia de hipoteca, bem como a ineficácia das hipotecas feitas pela ENCOL em favor do Banco Bradesco.

Inconformado, o BRADESCO apelou, tendo reiterado os fundamentos apresentados na contestação, como a ilegitimidade do Ministério Público para promover a ação civil pública, a incompetência do juízo para processar e julgar a ação, a inépcia da inicial, pois eventual sentença de procedência está adstrita aos limites da competência territorial do órgão prolator, a inexistência de relação de consumo, e a validade das hipotecas.
O Tribunal de Justiça local negou provimento.
Foram interpostos embargos de declaração e posteriormente Recurso Especial interposto com fundamento nas alíneas a e c do permissivo constitucional, BRADESCO alega ofensa aos arts. 127 e 129 da CF, 7º, § 2º, da Lei nº 7.661/45; 95 e 292 do CPC; 16 da Lei de Ação Civil Pública, 2º, 3º, 39, 51, 54, 81 e 82 do CDC, 6º da Lei Complementar nº 75/93; 676, 849 e 850 do CC/1916, 5º e 22 do Decreto-lei nº 58/37, 61, § 5º, da Lei nº 4.380/64, 25 e 26 da Lei nº 6.766/79, 32, § 2º, da Lei nº 4.591/64, 16 da Lei nº 6.015/73, 11 da Lei nº 6.014/74, subsidiariamente acena com violação do art. 535 do CPC/73.
No Resp sustentou que (1) a competência para julgar ação que tem por objeto nulidade de hipoteca era do foro do lugar do imóvel, não do juízo falimentar; (2) se o foro competente é o da situação da coisa, foi indevida a cumulação de pedidos referentes a imóveis situados em Brasília, Belo Horizonte e Rio de Janeiro, o que caracteriza a inépcia da inicial; (3) a sentença de procedência dos pedidos estava adstrita aos limites da competência territorial do órgão prolator; (4) o Ministério Público não tinha legitimidade ativa para o ajuizamento da ação, pois os direitos tutelados são individuais e disponíveis; (5) não se aplicam as normas do CDC, porque não há relação de consumo entre os substituídos e o BRADESCO, que apenas negociou com a ENCOL; e, (6) as hipotecas constituídas não cedem diante das relações comerciais entre os substituídos e a construtora falida.

O Resp não foi admitido na origem e a antiga relatora, a Ministra NANCY ANDRIGHI deu provimento ao agravo de instrumento e determinou a subida do recurso especial para melhor exame da matéria.

O Ministro Moura Ribeiro negou seguimento ao Resp em decisão monocrática.

Em agravo regimental, BRADESCO afirmou:

1) a ilegitimidade do Ministério Público porque não há interesse individual homogêneo indisponível a ser tutelado;

2) a hipoteca levada a efeito originou-se de contrato firmado com a ENCOL, cuja relação não está sob a égide do CDC, pois não há relação de consumo;

3)  a validade da cláusula que autoriza que o imóvel seja dado em hipoteca para garantia de financiamentos, haja vista que consta expressamente dos contratos de promessa de compra e venda, não podendo o promitente comprador alegar seu desconhecimento ou qualquer abusividade, não se enquadrando o caso concreto no enunciado da Súmula nº 308 do STJ;

4) a Lei de Falência não prevalece sobre o art. 95 do CPC/73 em se tratando de ação em que se objetiva a nulidade de hipoteca, devendo prevalecer a competência do foro do lugar do imóvel.

Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negaram provimento ao agravo, nos termos do voto do Sr.
Ministro Relator Mauro Ribeiro.

Os Srs. Ministros Nancy Andrighi, Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva e Marco Aurélio Bellizze (Presidente) votaram com o Sr.
Ministro Relator.

Vejamos a resposta do acórdão no voto do Ministro Mauro Ribeiro acompanhado pelos demais:

1)    Da legitimidade do Ministério Público

Ainda que se trate de direitos individuais homogêneos disponíveis o Ministério Público tem legitimidade para ajuizar Ação Civil Pública considerando a relevância social do bem jurídico tutelado.
Com espeque em decisão já proferida desde o ano de 2001 pelo Tribunal da Cidadania, verbis:

Detém o Ministério Público legitimidade para ajuizar ação civil pública em que se postula a nulidade de cláusula contratual que autoriza a constituição de hipoteca por dívida de terceiro (ENCOL), mesmo após a conclusão da obra ou a integralização do preço pelo promitente comprador.
...
Recurso Especial não conhecido.'
(REsp nº 334.829/DF, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, Terceira
Turma, julgado aos 6/11/2001, DJ de 4/2/2002, sem destaque no original). (grifo nosso)

2)    Da relação de consumo, sob a égide do Código De Defesa do Consumidor mesmo a hipoteca levada a efeito sendo originada de contrato firmado entre o BRADESCO e a ENCOL já que há envolvimento dos promissários compradores como consumidores finais

Trecho do relatório do voto demonstra que há relações de consumo existente entre a empresa incorporadora e os promitentes compradores da unidade imobiliária a serem construídas e entregues pela construtora, e por isso deve ser analisada sob a égide do CDC, verbis:

A conclusão do Tribunal de Justiça local, de que havia relação de consumo entre a ENCOL e os adquirentes de imóvel e que incidia o CDC nos contratos em que a incorporadora se obrigava a construção de unidades imobiliárias mediante financiamento, estava em perfeita harmonia com a jurisprudência desta eg. Corte Superior, tendo naquela oportunidade citado os seguintes precedentes: REsp nº 555.763/DF, Rel. Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, TERCEIRA TURMA, julgado aos 18/12/2003, DJ de 22/3/2004; AgRg no AREsp nº 120.905/SP, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, Terceira Turma, julgado aos 6/5/2014, DJe de 13/5/2014; e, REsp nº 334.829/DF, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, Terceira Turma, julgado aos 6/11/2001, DJ de 4/2/2002, sendo que deste último precedente, por oportuno, peço vênia para transcrever a seguinte passagem do voto condutor do acórdão, que se ajusta perfeitamente ao caso em tela:
Não resta dúvida de que há relações de consumo existente entre a empresa incorporadora e os promitentes compradores da unidade imobiliária a serem construídas e entregues pela construtora, porquanto a empresa enquadra-se no conceito de fornecedora de produto (imóvel) e prestadora de serviço (construção do imóvel nos moldes da incorporação imobiliária) e os recorridos como consumidores finais. A empresa ENCOL firmou contrato de promessa de compra e venda de unidade imobiliária que seria construída pelo sistema de incorporação, tendo os consumidores obrigações no pagamento do bem antes mesmo de recebê-lo. Não importa que a prestação de serviços e o fornecimento do produto se dê por intermédio das Leis n° 4.380/64 e n° 5.049/66 e normas correlatas do SFH, pois as únicas relações excluídas do Código do Consumidor são as decorrentes do direito do trabalho, não havendo exceções no que diz respeito à incorporação imobiliária, que 'nada mais é do que uma forma de prestar serviços sob certas peculiaridades'. Têm, pois, inteira aplicabilidade as normas de ordem pública, instituídas pelo Código de Defesa do Consumidor aos contratos de promessa de compra e venda em que a incorporadora se obriga à construção de unidades imobiliárias, mediante financiamento.

3)    Da invalidade da cláusula que autoriza que o imóvel seja dado em hipoteca para garantia de financiamentos, haja vista que mesmo que conste expressamente dos contratos de promessa de compra e venda, afronta o enunciado da Súmula nº 308 do STJ

Trecho do relatório do voto demonstra a incidência da súmula 308 do STJ, verbis:

No que diz respeito à validade da hipoteca afirmada pelo recorrente, reitero e reafirmo que a jurisprudência desta eg. Corte Superior, inclusive sumulada, tem orientação dominante de que a hipoteca concedida pela empresa incorporadora em favor da instituição financeira é ineficaz perante o adquirente do imóvel. Nesse sentido, os seguintes precedentes:
DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. HIPOTECA. GARANTIA DADA PELA CONSTRUTORA AO AGENTE FINANCEIRO. TERCEIROS ADQUIRENTES. INOPERÂNCIA. SÚMULA N. 308/STJ. EMBARGOS DE TERCEIRO. CABIMENTO. SÚMULA N. 84/STJ.
1. 'A hipoteca firmada entre a construtora e o agente financeiro, anterior ou posterior à celebração da promessa de compra e venda, não tem eficácia perante os adquirentes do imóvel' (Súmula n. 308/STJ).
2. 'É admissível a oposição de embargos de terceiro fundados em alegação de posse advinda do compromisso de compra e venda de imóvel, ainda que desprovido do registro' (Súmula n. 84/STJ).
3. Agravo regimental não provido.
(AgRg no REsp nº 1.331.071/CE, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Quarta Turma, julgado aos 4/8/2015, DJe de 14/8/2015, sem destaque no original).

4)               a Lei de Falência prevalece sobre o art. 95 do CPC/73 prevalecendo  a competência do juízo universal sobre o juízo da situação do imóvel


Finalmente, quanto à competência do Juízo da Falência para o julgamento da ação civil pública proposta pelo Ministério Público Federal, melhor sorte não assiste ao recorrente, que insiste na alegação de que, em se tratando de ação que objetiva a nulidade de hipoteca a competência é a do foro do lugar do imóvel, e não o do Juízo universal, defendendo a incidência do disposto no art. 95 do CPC/73. Reitero o entendimento firmado na decisão agravada, com suporte na jurisprudência dominante desta eg. Corte Superior, de que a competência para o julgamento da presente ação civil pública, que diz respeito diretamente a bens e interesses da massa falida da ENCOL, é do Juízo falimentar, em detrimento do Juízo da situação do imóvel.
Nessa ordem de decidir, confiram-se os seguintes precedentes:
PROCESSUAL CIVIL. CONFLITO POSITIVO DE COMPETÊNCIA. AÇÃO DE ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA DE BEM IMÓVEL ARRECADADO PELA MASSA FALIDA. - Embora a competência territorial seja, via de regra, relativa, aquela atinente ao foro da situação do imóvel, que também tem natureza territorial, rege-se, na maior parte das vezes, pela norma contida na segunda parte do art. 95 do CPC, que a qualifica de absoluta. A causa dessa exceção é o juízo de conveniência e interesse público do legislador, de decidir in loco os litígios referentes aos imóveis, com melhor conhecimento das realidades fundiárias locais ou regionais, facilidade para a realização de perícias, maior probabilidade de identificar e localizar testemunhas etc. Ademais, a destinação dada ao imóvel pode ter repercussões na vida econômica ou social de uma localidade ou de uma região, o que constitui respeitável fundamento metajurídico da competência ditada pelo art. 95 do CPC. - Entretanto, os motivos que justificam a improrrogabilidade da competência das ações reais imobiliárias parecem ceder diante da competência conferida ao juízo indivisível da falência, o qual, por definição, é um foro de atração, para o qual converge a discussão de todas as causas e ações pertinentes a um patrimônio com universalidade jurídica. A unidade e conseqüente indivisibilidade do juízo falimentar evita a dispersão das ações, reclamações e medidas que, conjuntamente, formam o procedimento falimentar, o qual fica submetido a critério uniforme do juiz que superintende a execução coletiva e que preside a solução dos interesses em conflito com ela ou a ela relacionados.

5)    Abrangência da sentença prolatada em ação civil pública relativa a direitos individuais homogêneos tem os efeitos e a eficácia além dos lindes geográficos

Importante destacar parte do voto que fala do alcance da sentença prolatada em ação civil pública, verbis:

Ressalte-se, por oportuno, que a jurisprudência consolidada desta Corte, no que diz respeito à abrangência da sentença prolatada em ação civil pública relativa a direitos individuais homogêneos decidiu, em recurso repetitivo, que os efeitos e a eficácia da sentença não estão circunscritos a lindes geográficos, mas aos limites objetivos e subjetivos do que foi decidido, levando-se em conta, para tanto, sempre a extensão do dano e a qualidade dos interesses metaindividuais postos em juízo (arts. 468, 472 e 474, CPC e 93 e 103, CDC) (REsp nº 1.243.887/PR, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Corte Especial, DJe de 12/12/2011), o que respalda a conclusão do acórdão recorrido no ponto.
Nessa ordem de decidir, os seguintes julgados:
EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. PROCESSUAL CIVIL. ART. 16 DA LEI DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA. AÇÃO COLETIVA. LIMITAÇÃO APRIORÍSTICA DA EFICÁCIA DA DECISÃO À COMPETÊNCIA TERRITORIAL DO ÓRGÃO JUDICANTE. DESCONFORMIDADE COM O ENTENDIMENTO FIRMADO PELA CORTE ESPECIAL DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA EM JULGAMENTO DE RECURSO REPETITIVO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA (RESP N.º 1.243.887/PR, REL. MIN. LUÍS FELIPE SALOMÃO). DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL DEMONSTRADO. EMBARGOS DE
DIVERGÊNCIA ACOLHIDOS.
1. No julgamento do recurso especial repetitivo (representativo de controvérsia) n.º 1.243.887/PR, Rel. Min. Luís Felipe Salomão, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, ao analisar a regra prevista no art. 16 da Lei n.º 7.347/85, primeira parte, consignou ser indevido limitar, aprioristicamente, a eficácia de decisões proferidas em ações civis públicas coletivas ao território da competência do órgão judicante.
2. Embargos de divergência acolhidos para restabelecer o acórdão de fls. 2.418-2.425 (volume 11), no ponto em que afastou a limitação territorial prevista no art. 16 da Lei n.º 7.347/85.
(EREsp nº 1.134.957/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, Corte Especial, julgado aos 24/10/2016, DJe de 30/11/2016, sem destaque no original).

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