MPG
X BRADESCO E ENCOL – A hipoteca firmada entre a construtora e o agente
financeiro, anterior ou posterior à celebração da promessa de compra e venda,
não tem eficácia perante os adquirentes do imóvel (súmula 308 STJ) – Ação Civil
Pública – Direitos Disponível – Legitimidade do Ministério Público – Competência
universal do Juizado de Falências em detrimento ao do local do imóvel – Abrangência
da sentença prolatada em sede de Ação Civil Pública.
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Em
decisão recente o STJ decidiu e reiterou sua posição sobre o tema em comento
em ação civil pública ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS
contra o BANCO BRADESCO S.A. e a MASSA FALIDA DA ENCOL S.A. ENGENHARIA,
COMÉRCIO E INDÚSTRIA, visando a declaração de nulidade das cláusulas
contratuais e a ineficácia das hipotecas perante os consumidores/adquirentes
de boa-fé, relativos aos Edifícios Embassy Tower (Brasília/DF), Torre I do
Center 5 (Rio de Janeiro/RJ) e Tech Tower
(Belo
Horizonte/MG)
|
O
magistrado de 1º grau julgou procedentes os pedidos para anular as cláusulas
que previam a possibilidade da construtora dar os imóveis, objetos de compra
e venda, em garantia de hipoteca, bem como a ineficácia das hipotecas feitas
pela ENCOL em favor do Banco Bradesco.
|
Inconformado,
o BRADESCO apelou, tendo reiterado os fundamentos apresentados na
contestação, como a ilegitimidade do Ministério Público para promover a ação
civil pública, a incompetência do juízo para processar e julgar a ação, a
inépcia da inicial, pois eventual sentença de procedência está adstrita aos
limites da competência territorial do órgão prolator, a inexistência de
relação de consumo, e a validade das hipotecas.
O
Tribunal de Justiça local negou provimento.
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Foram
interpostos embargos de declaração e posteriormente Recurso Especial
interposto com fundamento nas alíneas a e c do permissivo constitucional,
BRADESCO alega ofensa aos arts. 127 e 129 da CF, 7º, § 2º, da Lei nº
7.661/45; 95 e 292 do CPC; 16 da Lei de Ação Civil Pública, 2º, 3º, 39, 51,
54, 81 e 82 do CDC, 6º da Lei Complementar nº 75/93; 676, 849 e 850 do
CC/1916, 5º e 22 do Decreto-lei nº 58/37, 61, § 5º, da Lei nº 4.380/64, 25 e
26 da Lei nº 6.766/79, 32, § 2º, da Lei nº 4.591/64, 16 da Lei nº 6.015/73,
11 da Lei nº 6.014/74, subsidiariamente acena com violação do art. 535 do
CPC/73.
|
No
Resp sustentou que (1) a competência para julgar ação que tem por objeto nulidade
de hipoteca era do foro do lugar do imóvel, não do juízo falimentar; (2) se o
foro competente é o da situação da coisa, foi indevida a cumulação de pedidos
referentes a imóveis situados em Brasília, Belo Horizonte e Rio de Janeiro, o
que caracteriza a inépcia da inicial; (3) a sentença de procedência dos
pedidos estava adstrita aos limites da competência territorial do órgão
prolator; (4) o Ministério Público não tinha legitimidade ativa para o
ajuizamento da ação, pois os direitos tutelados são individuais e
disponíveis; (5) não se aplicam as normas do CDC, porque não há relação de
consumo entre os substituídos e o BRADESCO, que apenas negociou com a ENCOL;
e, (6) as hipotecas constituídas não cedem diante das relações comerciais entre
os substituídos e a construtora falida.
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O
Resp não foi admitido na origem e a antiga relatora, a Ministra NANCY
ANDRIGHI deu provimento ao agravo de instrumento e determinou a subida do
recurso especial para melhor exame da matéria.
O
Ministro Moura Ribeiro negou seguimento ao Resp em decisão monocrática.
Em
agravo regimental, BRADESCO afirmou:
1)
a ilegitimidade do Ministério Público porque não há interesse individual
homogêneo indisponível a ser tutelado;
2)
a hipoteca levada a efeito originou-se de contrato firmado com a ENCOL, cuja
relação não está sob a égide do CDC, pois não há relação de consumo;
3)
a validade da cláusula que autoriza
que o imóvel seja dado em hipoteca para garantia de financiamentos, haja
vista que consta expressamente dos contratos de promessa de compra e venda,
não podendo o promitente comprador alegar seu desconhecimento ou qualquer
abusividade, não se enquadrando o caso concreto no enunciado da Súmula nº 308
do STJ;
4)
a Lei de Falência não prevalece sobre o art. 95 do CPC/73 em se tratando de
ação em que se objetiva a nulidade de hipoteca, devendo prevalecer a
competência do foro do lugar do imóvel.
|
Ministros
da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negaram
provimento ao agravo, nos termos do voto do Sr.
Ministro
Relator Mauro Ribeiro.
Os
Srs. Ministros Nancy Andrighi, Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas
Bôas Cueva e Marco Aurélio Bellizze (Presidente) votaram com o Sr.
Ministro
Relator.
|
Vejamos
a resposta do acórdão no voto do Ministro Mauro Ribeiro acompanhado pelos
demais:
1) Da legitimidade
do Ministério Público
Ainda
que se trate de direitos individuais
homogêneos disponíveis o Ministério Público tem legitimidade para ajuizar Ação Civil Pública considerando a relevância social do bem
jurídico tutelado.
Com
espeque em decisão já proferida desde o ano de 2001 pelo Tribunal da Cidadania,
verbis:
Detém o
Ministério Público legitimidade para ajuizar ação civil pública em que se
postula a nulidade de cláusula contratual que autoriza a constituição de hipoteca
por dívida de terceiro (ENCOL), mesmo após a conclusão da obra ou a
integralização do preço pelo promitente comprador.
...
Recurso Especial não conhecido.'
(REsp nº 334.829/DF, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI,
Terceira
Turma, julgado
aos 6/11/2001, DJ de 4/2/2002, sem destaque no original). (grifo nosso)
2) Da relação
de consumo, sob a égide do Código De Defesa do Consumidor mesmo a hipoteca
levada a efeito sendo originada de contrato firmado entre o BRADESCO e a
ENCOL já que há envolvimento dos promissários compradores como consumidores
finais
Trecho
do relatório do voto demonstra que há relações de consumo existente entre a empresa
incorporadora e os promitentes compradores da unidade imobiliária a serem
construídas e entregues pela construtora, e por isso deve ser analisada sob a
égide do CDC, verbis:
A conclusão do Tribunal de Justiça local, de que
havia relação de consumo entre a ENCOL e os adquirentes de imóvel e que
incidia o CDC nos contratos em que a incorporadora se obrigava a construção
de unidades imobiliárias mediante financiamento, estava em perfeita harmonia
com a jurisprudência desta eg. Corte Superior, tendo naquela oportunidade citado os seguintes
precedentes: REsp nº 555.763/DF, Rel. Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES
DIREITO, TERCEIRA TURMA, julgado aos 18/12/2003, DJ de 22/3/2004; AgRg no
AREsp nº 120.905/SP, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, Terceira Turma,
julgado aos 6/5/2014, DJe de 13/5/2014; e, REsp nº 334.829/DF, Rel. Ministra
NANCY ANDRIGHI, Terceira Turma, julgado aos 6/11/2001, DJ de 4/2/2002, sendo
que deste último precedente, por oportuno, peço vênia para transcrever a
seguinte passagem do voto condutor do acórdão, que se ajusta perfeitamente ao
caso em tela:
Não resta dúvida de que há relações de consumo
existente entre a empresa incorporadora e os promitentes compradores da
unidade imobiliária a serem construídas e entregues pela construtora, porquanto
a empresa enquadra-se no conceito de fornecedora de produto (imóvel) e
prestadora de serviço (construção do imóvel nos moldes da incorporação
imobiliária) e os recorridos como consumidores finais. A empresa ENCOL firmou contrato de promessa de
compra e venda de unidade imobiliária que seria construída pelo sistema de incorporação,
tendo os consumidores obrigações no pagamento do bem antes mesmo de
recebê-lo. Não importa que a prestação de serviços e o fornecimento do produto
se dê por intermédio das Leis n° 4.380/64 e n° 5.049/66 e normas correlatas
do SFH, pois as únicas relações excluídas do Código do Consumidor são as
decorrentes do direito do trabalho, não havendo exceções no que diz respeito
à incorporação imobiliária, que 'nada mais é do que uma forma de prestar
serviços sob certas peculiaridades'. Têm, pois, inteira aplicabilidade as
normas de ordem pública, instituídas pelo Código de Defesa do Consumidor aos
contratos de promessa de compra e venda em que a incorporadora se obriga à construção
de unidades imobiliárias, mediante financiamento.
3) Da invalidade
da cláusula que autoriza que o imóvel seja dado em hipoteca para garantia de financiamentos,
haja vista que mesmo que conste expressamente dos contratos de promessa de compra
e venda, afronta o enunciado da Súmula nº 308 do STJ
Trecho
do relatório do voto demonstra a incidência da súmula 308 do STJ, verbis:
No que diz respeito à
validade da hipoteca afirmada pelo recorrente, reitero e reafirmo que a
jurisprudência desta eg. Corte Superior, inclusive sumulada, tem orientação
dominante de que a hipoteca concedida pela empresa incorporadora em favor da
instituição financeira é ineficaz perante o adquirente do imóvel. Nesse
sentido, os seguintes precedentes:
DIREITO CIVIL E
PROCESSUAL CIVIL. HIPOTECA. GARANTIA DADA PELA CONSTRUTORA AO AGENTE
FINANCEIRO. TERCEIROS ADQUIRENTES. INOPERÂNCIA. SÚMULA N. 308/STJ. EMBARGOS
DE TERCEIRO. CABIMENTO. SÚMULA N. 84/STJ.
1. 'A hipoteca firmada entre a construtora e
o agente financeiro, anterior ou posterior à celebração da promessa de compra
e venda, não tem eficácia perante os adquirentes do imóvel' (Súmula n.
308/STJ).
2. 'É admissível a
oposição de embargos de terceiro fundados em alegação de posse advinda do
compromisso de compra e venda de imóvel, ainda que desprovido do registro'
(Súmula n. 84/STJ).
3. Agravo regimental
não provido.
(AgRg no REsp nº
1.331.071/CE, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Quarta Turma, julgado aos
4/8/2015, DJe de 14/8/2015, sem destaque no original).
4)
a Lei de Falência prevalece sobre o art. 95 do CPC/73
prevalecendo a competência do juízo
universal sobre o juízo da situação do imóvel
Finalmente, quanto à
competência do Juízo da Falência para o julgamento da ação civil pública
proposta pelo Ministério Público Federal, melhor sorte não assiste ao
recorrente, que insiste na alegação de que, em se tratando de ação que objetiva
a nulidade de hipoteca a competência é a do foro do lugar do imóvel, e não o do
Juízo universal, defendendo a incidência do disposto no art. 95 do CPC/73. Reitero o entendimento firmado na decisão
agravada, com suporte na jurisprudência dominante desta eg. Corte Superior,
de que a competência para o julgamento da presente ação civil pública, que
diz respeito diretamente a bens e interesses da massa falida da ENCOL, é do
Juízo falimentar, em detrimento do Juízo da situação do imóvel.
Nessa ordem de
decidir, confiram-se os seguintes precedentes:
PROCESSUAL CIVIL.
CONFLITO POSITIVO DE COMPETÊNCIA. AÇÃO DE ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA DE BEM
IMÓVEL ARRECADADO PELA MASSA FALIDA. - Embora
a competência territorial seja, via de regra, relativa, aquela atinente ao
foro da situação do imóvel, que também tem natureza territorial, rege-se, na
maior parte das vezes, pela norma contida na segunda parte do art. 95 do CPC,
que a qualifica de absoluta. A causa dessa exceção é o juízo de conveniência
e interesse público do legislador, de decidir in loco os litígios referentes
aos imóveis, com melhor conhecimento das realidades fundiárias locais ou
regionais, facilidade para a realização de perícias, maior probabilidade de identificar
e localizar testemunhas etc. Ademais, a destinação dada ao imóvel pode ter
repercussões na vida econômica ou social de uma localidade ou de uma região,
o que constitui respeitável fundamento metajurídico da competência ditada pelo
art. 95 do CPC. - Entretanto, os motivos que justificam a improrrogabilidade
da competência das ações reais imobiliárias parecem ceder diante da
competência conferida ao juízo indivisível da falência, o qual, por
definição, é um foro de atração, para o qual converge a discussão de todas as
causas e ações pertinentes a um patrimônio com universalidade jurídica. A
unidade e conseqüente indivisibilidade do juízo falimentar evita a dispersão
das ações, reclamações e medidas que, conjuntamente, formam o procedimento
falimentar, o qual fica submetido a critério uniforme do juiz que
superintende a execução coletiva e que preside a solução dos interesses em conflito
com ela ou a ela relacionados.
5) Abrangência
da sentença prolatada em ação civil pública relativa a direitos individuais
homogêneos tem os efeitos e a eficácia além dos lindes geográficos
Importante
destacar parte do voto que fala do alcance da sentença prolatada em ação
civil pública, verbis:
Ressalte-se, por
oportuno, que a jurisprudência consolidada desta Corte, no que diz respeito à
abrangência da sentença prolatada em
ação civil pública relativa a direitos individuais homogêneos decidiu, em
recurso repetitivo, que os efeitos e a eficácia da sentença não estão
circunscritos a lindes geográficos, mas aos limites objetivos e subjetivos do
que foi decidido, levando-se em conta, para tanto, sempre a extensão do dano
e a qualidade dos interesses metaindividuais postos em juízo (arts. 468, 472 e 474, CPC e 93 e 103, CDC) (REsp nº
1.243.887/PR, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Corte Especial, DJe de
12/12/2011), o que respalda a conclusão do acórdão recorrido no ponto.
Nessa ordem de
decidir, os seguintes julgados:
EMBARGOS DE
DIVERGÊNCIA. PROCESSUAL CIVIL. ART. 16 DA LEI DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA. AÇÃO
COLETIVA. LIMITAÇÃO APRIORÍSTICA DA EFICÁCIA DA DECISÃO À COMPETÊNCIA TERRITORIAL
DO ÓRGÃO JUDICANTE. DESCONFORMIDADE COM O ENTENDIMENTO FIRMADO PELA CORTE
ESPECIAL DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA EM JULGAMENTO DE RECURSO REPETITIVO
REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA (RESP N.º 1.243.887/PR, REL. MIN. LUÍS FELIPE
SALOMÃO). DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL DEMONSTRADO. EMBARGOS DE
DIVERGÊNCIA ACOLHIDOS.
1. No julgamento do
recurso especial repetitivo (representativo de controvérsia) n.º
1.243.887/PR, Rel. Min. Luís Felipe Salomão, a Corte Especial do Superior
Tribunal de Justiça, ao analisar a regra prevista no art. 16 da Lei n.º
7.347/85, primeira parte, consignou ser indevido limitar, aprioristicamente,
a eficácia de decisões proferidas em ações civis públicas coletivas ao território
da competência do órgão judicante.
2. Embargos de
divergência acolhidos para restabelecer o acórdão de fls. 2.418-2.425 (volume
11), no ponto em que afastou a limitação territorial prevista no art. 16 da
Lei n.º 7.347/85.
(EREsp nº
1.134.957/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, Corte Especial, julgado aos
24/10/2016, DJe de 30/11/2016, sem destaque no original).
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domingo, 17 de setembro de 2017
MPG X BRADESCO E ENCOL – A hipoteca firmada entre a construtora e o agente financeiro, anterior ou posterior à celebração da promessa de compra e venda, não tem eficácia perante os adquirentes do imóvel (súmula 308 STJ) – Ação Civil Pública – Direitos Disponível – Legitimidade do Ministério Público – Competência universal do Juizado de Falências em detrimento ao do local do imóvel – Abrangência da sentença prolatada em sede de ACP
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