DOS
DIREITOS DE VIZINHANÇA – DA PASSAGEM FORÇADA - AUSÊNCIA DE HUMANIDADE
|
DA PASSAGEM FORÇADA
Art. 1.285. O dono do prédio que não tiver acesso à via
pública, nascente ou porto, pode, mediante pagamento de indenização cabal,
constranger o vizinho a lhe dar passagem, cujo rumo será judicialmente
fixado, se necessário.
§
1º Sofrerá o constrangimento o vizinho cujo imóvel mais natural e facilmente
se prestar à passagem.
§
2º Se ocorrer alienação parcial do prédio, de modo que uma das partes perca o
acesso à via pública, nascente ou porto, o proprietário da outra deve tolerar
a passagem.
§
3º Aplica-se o disposto no parágrafo antecedente ainda quando, antes da
alienação, existia passagem através de imóvel vizinho, não estando o
proprietário deste constrangido, depois, a dar uma outra.
Coloquei o voto da ilustríssima e grande humanista Ministra Nancy Andrighi sobre o direito de passagem e o
direito à humanidade.
RECURSO
ESPECIAL Nº 1.370.210-RJ(2013/0052715-0)
RELATORA
: MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE
: WALDECIR MARTINS E OUTROS
ADVOGADOS
: MARCOS POLO BRASIL DOS SANTOS E OUTRO(S)
LUIZ
ANTÔNIO SALGUEIRO E OUTRO(S)
PAULO
ROBERTO FREIRE E OUTRO(S)
RECORRIDO
: MANOEL LUIZ CANDIDO FRAGOSO NETO
ADVOGADO
: DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
Relatora:
A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI
VOTO
Cinge-se
a controvérsia em verificar a possibilidade de, a título gratuito, o cônjuge
acompanhar sua esposa no exercício de direito de passagem, a ela
garantido por meio de sentença transitada em julgado, bem como se esse exercício
gratuito viola o art. 1.285 do CC/02.
Da violação do art. 1.285 do CC-02.
Na
hipótese dos autos, o exercício de servidão de passagem em relação ao imóvel
dos recorrentes foi garantido à cônjuge do recorrido por sentença transitada
em julgado. A sentença dessa primeira ação reconheceu que, por ser “portadora
de hérnia de grandes proporções” (e-STJ 64), a utilização da servidão era
recomendada, embora não se tratasse de imóvel encravado, para facilitar-lhe a
locomoção.
Todavia,
o recorrido, por não ter sido parte nesta primeira ação, está sendo impedido
de transitar pela passagem em companhia de sua cônjuge, razão pela qual
propôs a presente ação.
De
fato, é incontroverso não se tratar de imóvel
encravado (ver descrição ao final), de modo que, a princípio, não seria
devida a concessão de servidão de passagem. Entretanto, o reconhecimento
do direito à utilização da passagem fundou-se em razões humanitárias, diante do excepcional estado de saúde da
beneficiária.
Diante
dessa realidade fática, o acórdão recorrido, apesar de afirmar que a sentença
da primeira ação criou um “problema jurídico ” ao conceder
servidão
de passagem exclusiva, concluiu que “a melhor forma de conciliar a situação é
mantendo-se a integralidade da sentença, respeitando a servidão criada ”
(e-STJ fl. 138).
Nota-se que o problema dos autos não é
jurídico, pois o que se pleiteia não é propriamente o exercício ou a
instituição de uma servidão de passagem. Trata-se na verdade de uma questão
de solidariedade, de colaboração entre pessoas próximas, com fundamento
essencial na dignidade da pessoa humana, fundamento constitucionalmente
albergado, que deve ser observado por toda a comunidade brasileira.
Ora, em situações excepcionais, o
julgador deve mesmo se desgarrar das amarras estreitas do formalismo
jurídico, não para se utilizar de arbitrariedade, mas para dar humanismo à
letra fria da lei. Essa é tipicamente uma dessas situações, em que somos
surpreendidos pela perplexidade de alcançar a Corte Superior um processo em
que se discute essencialmente desentendimentos entre vizinhos, em especial
quando se envolve questões humanitárias que deveriam despertar sentimentos de
compaixão e solidariedade.
É
mais que razoável, é esperado que uma pessoa adoentada, portadora de “hérnia
de grandes proporções” , não transite desacompanhada. E é absolutamente
irracional a pretensão de que ela transite pela passagem sozinha, judicialmente
garantida para facilitar-lhe o acesso e a locomoção, enquanto seu cônjuge ou
qualquer outra pessoa que a acompanhe deva utilizar o caminho regular.
Sob
essa ótica, causa perplexidade a utilização do Estado-Juiz para a busca de
vendeta pessoal, completamente desgarrada de proveito jurídico, ou quiçá
econômico, pois a restrição de acesso aos acompanhantes da favorecida pela servidão
de uso, não objetiva fim juridicamente sólido.
Questionável,
inclusive, a própria resistência inicial da parte à utilização da passagem
pela companheira do recorrido, pois demonstra inaceitável desconsideração
com os mais comezinhos princípios que regem as relações sociais, dos quais se
deveria extrair a sobriedade necessária para a composição e, porventura, para
a mera aquiescência do pleito inicial de trânsito, por reconhecido motivo de
doença, pela propriedade do recorrente.
Apropriando-nos, de forma estreita, do
existencialismo de Sartre, para quem “O homem nada mais é do que aquilo que
ele faz de si mesmo (...)”, pesa, na hipótese, a ausência de humanidade.
Não se compraz o Direito com o
exercício desarrazoado das prerrogativas legais enfeixadas pela propriedade,
mormente quando brandidos sem uma consistente razão jurídica, devendo os
operadores do Direito se acautelarem do uso indevido dos preceitos legais
pois, citando novamente Jean-Paul Sartre (1987), “a nossa responsabilidade é
muito maior do que poderíamos supor, pois ela engaja a humanidade inteira”.
Outrossim,
uma vez que o direito de utilização já está garantido por decisão judicial,
não há qualquer acréscimo no ônus decorrente da utilização da passagem por
seu companheiro a fundamentar a pretensão de recebimento de indenização. Isso
porque a compensação prevista no art. 1.285 do CC/02 tem por objetivo
recompor a perda financeira decorrente da imposição de limitação em caráter
permanente à propriedade do imóvel serviente, o que não ocorre na hipótese
dos autos.
Ademais,
como os recorrentes não impugnaram o fundamento do TJ/RJ de que não há
acréscimo de ônus a justificar a condenação em indenização, aplica-se à
hipótese a Súmula 283/STF.
Por
fim, os recorrentes não demonstraram a similitude fática, tampouco realizaram
o cotejo analítico entre os acórdãos recorrido e paradigma, elementos
indispensáveis à demonstração da alegada divergência. Assim, a análise da
existência do dissídio é inviável, porque foram descumpridos os arts. 541,
parágrafo único, do CPC e 255, §§ 1º e 2º, do RISTJ.
Forte
nessas razões, NEGO PROVIMENTO ao recurso especial. (grifos nosso)
IMÓVEL ENCRAVADO Civil. Direitos de Vizinhança. Passagem Forçada (CC, art. 559). Imóvel Encravado. Numa era em que a técnica da engenharia dominou a natureza, a noção de imóvel encravado já não existe em termos absolutos e deve ser inspirada pela motivação do instituto da passagem forçada, que deita raízes na supremacia do interesse público; juridicamente, encravado é o imóvel cujo acesso por meios terrestres exige do respectivo proprietário despesas excessivas para que cumpra a função social sem inutilizar o terreno do vizinho, que em qualquer caso será indenizado pela só limitação do domínio. Recurso especial conhecido e provido em parte. (Superior Tribunal de Justiça – Terceira Turma/ REsp 316.336/MS/ Relator: Ministro Ari Pargendler/ Julgado em 18.08.2005/ Publicado no DJ 19.09.2005). (GRIFO NOSSO) JULGADO RECENTE DO TJDFT APELAÇÃO. CIVIL E PROCESSO CIVIL. PRELIMINAR DE INÉPCIA DO RECURSO REJEITADA. DIREITO À PASSAGEM FORÇADA. AUSÊNCIA DE ENCRAVAMENTO DO BEM. SENTENÇA MANTIDA. 1. Repele-se a preliminar de inépcia do recurso se este observou os requisitos do artigo 514 do CPC/73, aplicável ao caso, apontando com precisão os fundamentos e os motivos para a reforma da sentença, em plena observância ao princípio da dialeticidade, ainda que o tenha feito de maneira objetiva. 2. O direito a passagem forçada decorre de lei e tem por fundamento a solidariedade social, no âmbito das relações de vizinhança, tendo a finalidade de evitar que o imóvel fique sem destinação ou utilização econômica, por ausência de acesso a via pública, nascente ou porto (encravamento). Difere-se da servidão por este constituir direito real sobre coisa alheia, que pode ser adquirido por ato de disposição de vontades ou de forma compulsória mediante o uso do instituto jurídico da usucapião, quando se tratar de servidão aparente (artigos 1349 e 1285 do Código Civil). 3. Demonstrado nos autos que o imóvel da parte requerente possui outras opções de acesso à via pública e que inexistem os requisitos legais, inviável a procedência do pedido do exercício da passagem forçada. 4. Preliminar rejeitada. Negou-se provimento ao recurso. (Acórdão n.1014085, 20130810090935APC, Relator: FLAVIO ROSTIROLA 3ª TURMA CÍVEL, Data de Julgamento: 26/04/2017, Publicado no DJE: 10/05/2017. Pág.: 228/238) |
domingo, 10 de setembro de 2017
DOS DIREITOS DE VIZINHANÇA – DA PASSAGEM FORÇADA - AUSÊNCIA DE HUMANIDADE
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Comércio Global, Mercado Financeiro e a Tokenizacão de seus Ativos
É cediço que a troca de objetos e mercadorias, também conhecida como comércio ou escambo remonta uma longa história que precede a milhares ...
-
É LÍCITA A COBRANÇA DE TAXA DE DECORAÇÃO PELOS EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS? Inicialmente, insta consignar que taxa de de...
-
DOS DIREITOS DE VIZINHANÇA – DA AÇÃO DE DANO INFECTO Entre os direitos de vizinhança encontram-se: Do uso anormal da pro...
-
Desde 11/7/2022, titulares de precatórios expedidos pelo TJDFT contra órgãos do GDF, que tenham sido apresentados até o dia 1º de julho de 2...
ótimo post, parabéns.
ResponderExcluir