sexta-feira, 7 de julho de 2017

DIREITOS HUMANOS – DIREITO INTERNACIONAL – IMUNIDADE DE JURISDIÇÃO – RELATIVIZAÇÃO – POSSIBILIDADE

DIREITOS HUMANOS – DIREITO INTERNACIONAL – IMUNIDADE DE JURISDIÇÃO – RELATIVIZAÇÃO – POSSIBILIDADE SOMENTE ÀS RELAÇÕES DE NATUREZA CIVIL, COMERCIAL OU TRABALHISTA, NÃO ATINGINDO OS ATOS DE IMPÉRIO – ATOS DE IMPÉRIO (JURE IMPERI) E ATOS DE GESTÃO (JURE GESTIONI) - PLENÁRIO REPERCUSSÃO GERAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO 954.858 RIO DE JANEIRO RELATOR: MIN. EDSON FACHIN

Barco pesqueiro “Changri-lá”, torpedeado pelo submarino alemão U-199 em 31 de julho de 1943, durante a Segunda Guerra Mundial, nas proximidades de Cabo Frio/RJ, formularam pleito de indenização por danos morais, no valor de R$ 1.000.000,00 e hoje é paradigma em tese de repercussão geral sobre direitos humanos internacionais, mais precisamente sobre a jurisdição internacional e soberania. Confira parte do voto do eminente ministro Edson Fachin manifestando-se pela existência repercussão geral, ipsis litteris:
Do ponto de vista jurídico, a repercussão geral da matéria justifica-se pela coerência jurisprudencial do STF acerca das hipóteses de mitigação da exclusividade jurisdicional no território brasileiro, a partir da divisão dos atos estatais de império e de gestão.
No âmbito social, a questão deduzida em juízo ganha relevância a partir da força simbólica dos direitos humanos e respectiva responsabilização de Estados por atos atentatórios à dignidade da pessoa humana. Aqui, o efeito social é notável pelo período transicional típico de períodos de guerra, comoção interna ou rupturas da ordem democrática.
 Na seara política, também se extrai transcendência subjetiva da matéria, haja vista que se encontram em aparente divergência dois valores os quais a República Federativa do Brasil comprometeu-se a seguir nas relações internacionais, a prevalência dos direitos humanos e a igualdade entre os Estados.
...
Brasília, 08 de maio de 2017

Na inicial, os recorrentes, netos e viúvas dos netos de Deocleciano Pereira da Costa, um dos dez tripulantes do barco pesqueiro “Changri-lá”, torpedeado pelo submarino alemão U-199 em 31 de julho de 1943, durante a Segunda Guerra Mundial, nas proximidades de Cabo Frio/RJ, formularam pleito de indenização por danos morais, no valor de R$ 1.000.000,00, e materiais em face da República da Alemanha. Segundo narraram, o evento foi reconhecido pelo Tribunal Marítimo em acórdão formalizado no dia 31 de julho de 2001. Posteriormente, aditaram a inicial para ajustar o montante indenizatório dos danos morais em R$ 5.000.000,00. O Juízo extinguiu o processo, sem resolução do mérito aludindo ao artigo 267, inciso VI, do Código de Processo Civil de 1973. Ressaltou a imunidade da jurisdição nacional da República Federal da Alemanha em relação a atos de império, a exemplo das ações militares praticadas em período de guerra. Citou precedente do Superior Tribunal de Justiça.
Interposto recurso ordinário, o ministro Marco Buzzi, relator, negou-lhe seguimento, reportando-se ao artigo 557 do Código de Processo Civil de 1973. Mencionou jurisprudência dominante do Tribunal. Assentou possível a relativização da imunidade da jurisdição tão somente às relações de natureza civil, comercial ou trabalhista, não atingindo os atos de império.
Os recorrentes interpuseram agravo interno. Alegaram a inviabilidade de aplicação automática da imunidade de jurisdição, dizendo necessária a citação da República Federal da Alemanha e a manifestação do país no processo. Salientaram a submissão da recorrida à jurisdição dos locais onde praticados os crimes de guerra durante o regime nazista. Fizeram menção à Conferência de Moscou de 1943, à Declaração de Submissão da República Alemã às Forças Aliadas e ao Acordo de Londres, o qual instituiu o Tribunal de Nuremberg. Defenderam a exceção à imunidade de jurisdição, ante a ofensa a direitos humanos. A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, à unanimidade, negou provimento ao agravo.
Os embargos de declaração formalizados foram desprovidos.
No extraordinário, protocolado com arguida base na alínea “a” do permissivo constitucional, os recorrentes apontam transgressão aos artigos 1º, inciso III, 3º, inciso IV, 4º, incisos II, IV e V, 5º, incisos II, XXXV e LIV, e 133 da Lei Básica da República. Asseveram que a Declaração de Moscou estabeleceu a repressão local aos crimes individualizados cometidos pelo regime nazista durante a Segunda Guerra Mundial. Destacam ter o Acordo de Londres instaurado um Tribunal Internacional apenas para os delitos mais complexos e sem definição geográfica específica. Pleiteiam a responsabilidade da República Federal da Alemanha pelos danos cometidos ao barco pesqueiro, em virtude da edição do Decreto-Lei nº 4.166/1942. Discorrem sobre a necessidade da prestação jurisdicional pátria, especialmente nos casos relativos ao direito à vida.
Sustentam imprescindível a apresentação de defesa pela recorrida, tendo em vista que a manifestação do diplomata não é suficiente para decidir a imunidade da jurisdição. Ressaltam a natureza de crime de guerra e contra a humanidade da ação praticada pelo submarino alemão U-199, por ter atingindo civis e não se tratar de ato legítimo de império. Aludem aos princípios da legislação internacional, destacando a possibilidade de imposição de deveres diretamente a indivíduos, sem a interposição da lei interna. Tecem considerações a respeito da prevalência dos direitos humanos e do princípio da dignidade da pessoa na ordem internacional.
Articulam com a restrição à imunidade da jurisdição nos Estados Unidos e na Europa, razão pela qual assinala dever ser observada a reciprocidade da recorrida.
Sob o ângulo da repercussão geral, afirmam que o tema ultrapassa os limites subjetivos da lide, mostrando-se relevante dos pontos de vista social, político e jurídico. Frisam a controvérsia acerca da supremacia dos direitos humanos em relação à soberania estatal e a responsabilidade da Alemanha, perante a jurisdição brasileira, pelos crimes cometidos durante a Segunda Guerra Mundial no território nacional.
O extraordinário não foi admitido na origem. Seguiu-se a interposição de agravo, no qual se defende a sequência do recurso.
Para efeito de conhecimento, outros recursos envolvendo o bombardeio implementado pela Alemanha ao barco pesqueiro “Changri-lá”, na costa de Cabo Frio/RJ, chegaram ao Supremo. Um deles foi o agravo de instrumento no recurso  extraordinário nº 790.456, distribuído a Vossa Excelência, que a ele negou provimento, considerada a ausência de prequestionamento da matéria. A Turma desproveu agravo interno interposto em face da decisão monocrática.
Ao ministro Dias Toffoli foi distribuído o agravo no recurso extraordinário nº 853.335, tendo Sua Excelência dele conhecido para negar seguimento ao extraordinário.
O ministro Luiz Fux desproveu o recurso extraordinário com agravo nº 953.656, por entender que não estavam satisfeitos os pressupostos formais para o acolhimento da pretensão, mas teceu considerações sobre o mérito do tema de fundo do processo.
Quanto aos agravos regimentais nos recursos extraordinários com agravo nº 793.676, nº 853.885 e nº 855.300, que tiveram como relatores, respectivamente, os ministros Ricardo Lewandowski, Teori Zavascki e Celso de Mello, a Segunda Turma do Supremo negou-lhes provimento, presente a discussão de questão infraconstitucional. Entendeu que a problemática tratava, apenas, de ofensa indireta à Carta da República.
Na Primeira Turma, a ministra Rosa Weber foi relatora dos agravos regimentais nos recursos extraordinários com agravo nº 880.298 e nº 837.265, também desprovidos.
Eis o pronunciamento do ministro Edson Fachin, no sentido do reconhecimento da repercussão geral:
Tema: Alcance da imunidade de jurisdição de Estado estrangeiro em relação a ato de império ofensivo ao direito internacional da pessoa humana.
MANIFESTAÇÃO
O SENHOR MINISTRO EDSON FACHIN
(RELATOR): Trata-se de agravo cujo objeto é decisão que inadmitiu o recurso extraordinário interposto em face de acórdão da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, cuja ementa reproduz-se a seguir:
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ORDINÁRIO - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO - BARCO DE PESCA BRASILEIRO AFUNDADO NA COSTA BRASILEIRA, EM PERÍODO DE GUERRA, POR NAVIO ALEMÃO - ESTADO ESTRANGEIRO – IMUNIDADE ABSOLUTA - DECISÃO DO RELATOR NEGANDO SEGUIMENTO AO RECURSO ORDINÁRIO. IRRESIGNAÇÃO DOS AGRAVANTES.
1. A relativização da imunidade da jurisdição conta com o assentimento desta Corte Superior; mas, tão-somente, quando envolve relações natureza civil, comercial ou trabalhista, restando prevalente a imunidade ao se tratar de ato de império, como no presente caso.
2. A jurisprudência do STJ caminha no sentido de que não é possível a responsabilização da República Federal da Alemanha por ato de guerra, tendo em vista tratar-se de manifestação de ato de império. Precedentes: AgRg no RO 110/RJ, Rel.Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, DJe 24/09/2012); RO 72/RJ, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, DJe 08/09/2009); RO 66/RJ, Rel. Ministro FERNANDO GONÇALVES, DJe 19/05/2008).
3. Agravo regimental desprovido.
Embargos declaratórios desprovidos.
Na origem, versa-se sobre ação de ressarcimento de danos materiais e morais de autoria de netos ou de viúvas de netos de DEOCLECIANO PEREIRA DA COSTA em face da República Federal da Alemanha.
Busca-se reparação à morte do indivíduo indigitado em decorrência de ataque a barco pesqueiro Changri-lá por submarino nazista U-199, por sua vez comandado por HANS WERNER KRAUS, no mar territorial brasileiro, nas proximidades da Costa de Cabo Frio, em julho de 1943, durante a II Guerra Mundial. Sem citação da parte Ré, o juízo da 14ª Vara Federal da Seção Judiciária do Rio de Janeiro declinou de sua competência, julgando o processo extinto sem resolução de mérito. Interposto recurso ordinário constitucional, com fundamento no art. 105, II, c, da Constituição da República, o e. Ministro Marco Buzzi negou-lhe seguimento com base na jurisprudência do STJ segundo a qual é impossível a responsabilização pelo Judiciário da parte Recorrida por ato de guerra.
 No recurso extraordinário, aponta-se ofensa aos arts. 1º III, 3º, IV, 4º II, IV, V e 5º, II, XXXV e LIV, e 133, da Constituição da República. A parte Recorrente sustenta sua irresignação, nos seguintes termos:
a) O art. 5º, XXXV da CF/88, considerando submissão expressa da Alemanha, através de Tratados Internacionais à jurisdição do local onde foram praticados os crimes de guerra e contra a humanidade durante o regime nazista;
b) Os arts. 5º, XXXV; 1º, III; 3º, IV e 4º, II da CF/88, considerando inexistir legítimo ato de império na prática de crime de guerra e contra a humanidade já julgados e condenados por Tribunal Internacional;
c) Os arts. 5º, II e 109, II da CF/88, considerando existir jurisdição nacional e não haver no ordenamento qualquer dispositivo que a afaste por suposta imunidade de jurisdição da Recorrida, sendo certo ainda que em respeito à reciprocidade este princípio não pode ser aplicado já que a própria Recorrida não o aplica, mesmo quando não há crime de guerra e contra a humanidade, nos casos em que os atos foram praticados no território do Foro onde se pleiteia a jurisdição;
d) Os arts. 3º, IV e 4º, II, IV e V da CF/88, considerando a inexistência de imunidade de jurisdição para atos atentatórios aos direitos humanos pela prevalência dos direitos humanos nas relações internacionais do Brasil;
 e) Os arts. 133 c/c 5º, LIV da CF/88, uma vez que o acórdão recorrido estabelece que o diplomata pode arguir nos autos imunidade de jurisdição, sem apresentação de defesa formal, quando a Constituição Federal estabelece a indispensabilidade do advogado e o respeito ao devido processo legal, inexistindo decretação de imunidade de jurisdição ex-officio, como a que ocorreu no caso pela decisão recorrida; Igualmente, articula a repercussão geral da matéria em razão da transcendência dos interesses subjetivos das partes sob as óticas jurídica e social.
A Vice-Presidência do STJ inadmitiu o recurso extraordinário por considerar que ofensa à Constituição, caso houvesse, seria indireta.
É o relatório.
Submeto a matéria aos meus pares, em sede de Plenário Virtual, a fim de que seja analisada a existência de preliminar de repercussão geral.
Como se depreende do relatado, a controvérsia posta em juízo cinge-se em fixar o alcance da imunidade de jurisdição de Estado estrangeiro em relação a ato de império ofensivo ao direito internacional da pessoa humana praticado em espacialidade brasileira.
Em outras palavras, trata-se de definir a possibilidade de submissão de Estado soberano à solução de lide promovida pelo Poder Judiciário de outra estatalidade, à luz da igualdade jurídica entre os Estados na sociedade internacional, nos termos do art. 4º, V, do Texto Constitucional.
No Brasil, a matéria é regida pelo Direito costumeiro tendo em vista que o país ainda não se vinculou à Convenção das Nações Unidas sobre a Imunidade de Jurisdição dos Estados e de suas Propriedades de 2004, ou a tratado congênere. A esse respeito, o advento da Constituição da República de 1988 representou marco na alteração da jurisprudência do STF de modo a abarcar a divisão de feitos do Estado soberano em atos de gestão e de império, sendo os primeiros passíveis de cognoscibilidade pelo Poder Judiciário brasileiro. Cito a ACi 9.696, de relatoria do Ministro Sydney Sanches, Tribunal Pleno, DJ 12.10.1990, cuja ementa transcreve-se:
ESTADO ESTRANGEIRO. IMUNIDADE JUDICIÁRIA. CAUSA TRABALHISTA. NÃO HÁ IMUNIDADE DE JURISDIÇÃO PARA O ESTADO ESTRANGEIRO, EM CAUSA DE NATUREZA TRABALHISTA. EM PRINCÍPIO, ESTA DEVE SER PROCESSADA E JULGADA PELA JUSTIÇA DO TRABALHO, SE AJUIZADA DEPOIS DO ADVENTO DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 (ART. 114). NA HIPÓTESE, POREM, PERMANECE A COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL, EM FACE DO DISPOSTO NO PARAGRAFO 10 DO ART. 27 DO A.D.C.T. DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988, C/C ART. 125, II, DA E.C. N. 1/69. RECURSO ORDINÁRIO CONHECIDO E PROVIDO PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL PARA SE AFASTAR A IMUNIDADE JUDICIÁRIA RECONHECIDA PELO JUÍZO FEDERAL DE PRIMEIRO GRAU, QUE DEVE PROSSEGUIR NO JULGAMENTO DA CAUSA, COMO DE DIREITO.
Nesse mesmo sentido, veja-se a ementa do RE-AgR 222.368, de relatoria do Ministro Celso de Mello, Segunda Turma, DJ 14.02.2003:
IMUNIDADE DE JURISDIÇÃO - RECLAMAÇÃO TRABALHISTA - LITÍGIO ENTRE ESTADO ESTRANGEIRO E EMPREGADO BRASILEIRO - EVOLUÇÃO DO TEMA NA DOUTRINA, NA LEGISLAÇÃO COMPARADA E NA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL: DA IMUNIDADE JURISDICIONAL ABSOLUTA À IMUNIDADE JURISDICIONAL MERAMENTE RELATIVA - RECURSO EXTRAORDINÁRIO NÃO CONHECIDO. OS ESTADOS ESTRANGEIROS NÃO DISPÕEM DE IMUNIDADE DE JURISDIÇÃO, PERANTE O PODER JUDICIÁRIO BRASILEIRO, NAS CAUSAS DE NATUREZA TRABALHISTA, POIS ESSA PRERROGATIVA DE DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO TEM CARÁTER MERAMENTE RELATIVO. - O Estado estrangeiro não dispõe de imunidade de jurisdição, perante órgãos do Poder Judiciário brasileiro, quando se tratar de causa de natureza trabalhista. Doutrina. Precedentes do STF (RTJ 133/159 e RTJ 161/643-644). - Privilégios diplomáticos não podem ser invocados, em processos trabalhistas, para coonestar o enriquecimento sem causa de Estados estrangeiros, em inaceitável detrimento de trabalhadores residentes em território brasileiro, sob pena de essa prática consagrar censurável desvio ético-jurídico, incompatível com o princípio da boa-fé e inconciliável com os grandes postulados do direito internacional. O PRIVILÉGIO RESULTANTE DA IMUNIDADE DE EXECUÇÃO NÃO INIBE A JUSTIÇA BRASILEIRA DE EXERCER JURISDIÇÃO NOS PROCESSOS DE CONHECIMENTO INSTAURADOS CONTRA ESTADOS ESTRANGEIROS. - A imunidade de jurisdição, de um lado, e a imunidade de execução, de outro, constituem categorias autônomas, juridicamente inconfundíveis, pois - ainda que guardem estreitas relações entre si - traduzem realidades independentes e distintas, assim reconhecidas quer no plano conceitual, quer, ainda, no âmbito de desenvolvimento das próprias relações internacionais. A eventual impossibilidade jurídica de ulterior realização pr ática do título judicial condenatório, em decorrência da prerrogativa da imunidade de execução, não se revela suficiente para obstar, só por si, a instauração, perante Tribunais brasileiros, de processos de conhecimento contra Estados estrangeiros, notadamente quando se tratar de litígio de natureza trabalhista. Doutrina. Precedentes.
Sendo assim, a compreensão jurisprudencial do STF se consolidou no sentido da inaplicabilidade da imunidade de jurisdição relativa a atos de gestão na fase ou processo de conhecimento, ao passo que a imunidade executória remanesce absoluta em todos os atos do Estado soberano em território estrangeiro, à luz da Convenção de Viena sobre as Relações Diplomáticas (Dec. 56.435/1965). Confira-se a ementa da ACO-AgR 543, de relatoria do Ministro Sepúlveda Pertence, Tribunal Pleno, DJ 24.11.2006: Imunidade de jurisdição. Execução fiscal movida pela União contra a República da Coréia. É da jurisprudência do Supremo Tribunal que, salvo renúncia, é absoluta a imunidade do Estado estrangeiro à jurisdição executória: orientação mantida por maioria de votos. Precedentes: ACO 524-AgR, Velloso, DJ 9.5.2003; ACO 522-AgR e 634-AgR, Ilmar Galvão, DJ 23.10.98 e 31.10.2002; ACO 527-AgR, Jobim, DJ 10.12.99; ACO 645, Gilmar Mendes, DJ 17.3.2003.
 No particular, trata-se de controvérsia inédita no âmbito desta Suprema Corte, porquanto se coloca em questão a derrotabilidade de regra imunizante de jurisdição em relação a atos de império por Estado soberano, por conta de graves delitos praticados em confronto à proteção internacional da pessoa natural, com espeque na prevalência dos direitos humanos nas relações internacionais, consoante dicção do art. 4º, II, da Constituição da República de 1988. Postas essas considerações, parece evidente a índole constitucional da matéria a que se propõe repercussão geral, porquanto envolve questões basilares do Estado de Direito brasileiro em relação à sociedade internacional, nos termos apontados pelo próprio Requerente. Do ponto de vista jurídico, a repercussão geral da matéria justifica-se pela coerência jurisprudencial do STF acerca das hipóteses de mitigação da exclusividade jurisdicional no território brasileiro, a partir da divisão dos atos estatais de império e de gestão. No âmbito social, a questão deduzida em juízo ganha relevância a partir da força simbólica dos direitos humanos e respectiva responsabilização de Estados por atos atentatórios à dignidade da pessoa humana. Aqui, o efeito social é notável pelo período transicional típico de períodos de guerra, comoção interna ou rupturas da ordem democrática. Na seara política, também se extrai transcendência subjetiva da matéria, haja vista que se encontram em aparente divergência dois valores os quais a República Federativa do Brasil comprometeu-se a seguir nas relações internacionais, a prevalência dos direitos humanos e a igualdade entre os Estados.
Ante o exposto, manifesto-me pela existência de repercussão geral da questão constitucional aqui exposta e submeto-a à apreciação dos demais Ministros integrantes desta Corte, nos termos dos arts. 322, parágrafo único, e 324 do RISTF. Publique-se. Brasília, 08 de maio de 2017


11/05/2017 PLENÁRIO REPERCUSSÃO GERAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO 954.858 RIO DE JANEIRO RELATOR : MIN. EDSON FACHIN RECTE.( S ) : KARLA CHRISTINA AZEREDO VENANCIO DA COSTA E OUTRO(A/S) ADV.( A / S ) : LUIZ ROBERTO LEVEN SIANO RECDO.( A / S ) : REPÚBLICA FEDERAL DA ALEMANHA ADV.( A / S ) : SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Comércio Global, Mercado Financeiro e a Tokenizacão de seus Ativos

 É cediço que a troca de objetos e mercadorias, também conhecida como comércio ou escambo remonta uma longa história que precede a milhares ...