“afastar-se
o condutor do veículo do local do acidente, para fugir à responsabilidade penal
ou civil que lhe possa ser atribuída” é crime ou não?
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O art.
305 da Lei 9.503, de 23 de setembro de 1997, Código de Trânsito Brasileiro (CTB)
tipificou como crime o afastamento do condutor de veículo do local do
acidente para fugir de responsabilidade cível ou penal, penalizando com detenção de 6 meses a um ano ou multa.
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Acontece
que, apesar do crime estar tipificado no CTB desde 1997, desde meados de 2008
em diante os Tribunais de Justiça de São Paulo, do Rio Grande do Sul, de
Minas Gerais e de Santa Catarina, assim como o Tribunal Regional Federal da
4ª Região, ao acolherem incidentes perante eles suscitados, declararam a
inconstitucionalidade da aludida norma federal em consequência a atipicidade
do delito.
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As
teses apontam que o condutor de veículo automotor que se envolve em acidente
de trânsito não pode ficar aguardando a chegada de autoridade competente para
averiguação de responsabilidade civil ou penal, pois seria imposição da
obrigação do condutor em produzir prova contra si mesmo ofendendo assim o preceito
da ampla defesa, artigo 5º, LV da Constituição federal de 1988 (CF/88) e o
direito ao silêncio, artigo 5º, LXIII da CF/88.
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Diante
dessas controvérsias judiciais o Procurador Geral Da República, Dr. Rodrigo Janot
propôs em março de 2015 Ação Direta de Constitucionalidade com a seguinte
tese, ipsis litteris:
Ademais, ao ser
obrigado a permanecer no local do acidente, o motorista, mesmo sendo
eventualmente o responsável pelo ocorrido, poderá tranquilamente, sem ser
preso ou independentemente de qualquer sanção, calar-se ou se negar a assumir
eventual responsabilidade civil ou penal que lhe possa vir a ser atribuída em
todos os momentos seguintes, desde a apuração administrativa do fato pela autoridade
de trânsito competente até o fim de eventuais ações civis ou penais contra
ele ajuizadas. Em decorrência dos princípios da ampla defesa e da não
autoincriminação, constantes dos incisos LV e LXIII do art. 5º da
Constituição Federal, incumbirão unicamente ao Estado e aos acusadores
os deveres de
persecução civil e penal e de produção do conteúdo probatório necessário à
condenação do motorista, assegurando-se-lhe amplamente em todas aquelas
ocasiões o direito de permanecer calado e de não produzir provas contrárias a
seus interesses.
Não há falar,
portanto, nessas circunstâncias, que o dispositivo legal em exame exige dos
condutores envolvidos em acidentes a “produção de provas contra si”.
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Cumpre
ressaltar que no momento a ADC encontra-se conclusa com o Ministro Marco
Aurélio.
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Expressando
uma singela opinião cumpre lembrar que o direito penal pelo princípio da
fragmentariedade, da intervenção mínima, em que o Direito Penal deve se
preocupar apenas com ofensas realmente graves aos bens jurídicos protegidos, no
crime em comento o legislador tipificou uma conduta que deveria
ser penalizada apenas civilmente.
Ademais
o artigo 304 do CTB já tipifica os casos em que realmente exigem uma posição
mais rigorosa do legislador, verbis:
Deixar
o condutor do veículo, na ocasião do acidente, de prestar imediato socorro à
vítima, ou, não podendo fazê-lo diretamente, por justa causa, deixar de
solicitar auxílio da autoridade pública:
Penas - detenção, de
seis meses a um ano, ou multa, se o fato não constituir elemento de crime
mais grave
Sem
querer banalizar a conduta de se evadir de um acidente de trânsito, mas temos
que pensar que muitas vezes o abalroamento traz pequenos danos aos veículos,
e por muitas vezes um dos envolvidos faz questão de perícia, sendo
desnecessária na grande maioria. Castigo maior que a pena é obrigar o
condutor do veículo ficar esperando autoridade competente para dar início a
investigações no Brasil de hoje.
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Segue
alguns julgados sobre o tema:
Incidente de inconstitucionalidade
(CF, art. 97; CPC, arts. 480 a 482). Código de Trânsito Brasileiro, art. 305
- fuga à responsabilidade penal e civil. Tipo penal que viola o princí- pio
do art. 5°, LXIII - garantia de não autoincriminação. Extensão da garantia a
qualquer pessoa, e não exclusivamente ao preso ou acusado, segundo orientação
do STF. Imposição do tipo penal que acarreta a autoincriminação, prevendo
sanção restritiva da liberdade, inclusive para a responsabilidade civil.
Inconstitucionalidade reconhecida. Incidente acolhido. É inconstitucional,
por violar o art. 5°, LXIII, da Constituição Federal, o tipo penal previsto
no art. 305 do Código de Trânsito Brasileiro. (Arguição de
Inconstitucionalidade 990.10.159020-4. Rel. Boris Kauffmann. Órgão Especial
do Tribunal de Justiça de São Paulo. Julgamento em 14/07/2010)
INCIDENTE DE INCONSTITUCIONALIDADE. CÓDIGO
DE TRÂNSITO BRASILEIRO. ARTIGO 305. EVASÃO DO LOCAL DO ACIDENTE. CONDUTA INEXIGÍVEL
DO CONDUTOR. AUTOINCRIMINA- ÇÃO. FLAGRANTE PREJUÍZO PROCESSUAL. A prática de
um ato ilícito enseja a correlata responsabilidade, civil ou penal. No caso
de responsabilidade civil, a apuração compete exclusivamente ao titular da
pretensão indenizató- ria. Tratando-se de responsabilidade penal, a
persecução é dever do Estado, através do órgão imbuído de tal competência,
mas jamais exigindo do autor do ilícito determinado proceder que possa, ao
facilitar a administração da justiça, possibilitar sua incriminação, ao menos
dentro da sistemática estabelecida pela Constituição Federal de 1988.
Incidente de inconstitucionalidade julgado procedente. Por maioria.
(Incidente de Inconstitucionalidade 70047947478, Tribunal Pleno do Tribunal
de Justiça do Rio Grande do Sul, Relator: Gaspar Marques Batista, Julgado em
24/06/2013)
INCIDENTE DE
INCONSTITUCIONALIDADE - RESERVA DE PLENÁRIO - ART. 305, DO CÓDIGO DE TRÂNSITO
BRASILEIRO - INCOMPATIBILIDADE COM O DIREITO FUNDAMENTAL AO SILÊNCIO -
INCONSTITUCIONALIDADE DECLARADA. (TJMG - Arg Inconstitucionalidade
1.0000.07.456021- 0/000, Relator(a): Des.(a) Sérgio Resende , CORTE SUPERIOR,
julgamento em 11/06/2008, publicação da sú- mula em 12/09/2008) ARGUIÇÃO DE
INCONSTITUCIONALIDADE. APELAÇÃO CRIMINAL. ART. 305 DO CTB. FUGA DO LOCAL DO
ACIDENTE PARA ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE CIVIL OU PENAL. INCONSTITUCIONALIDADE.
VIOLAÇÃO AOS DIREITOS DE SILÊNCIO E DE NÃO PRODUZIR PROVA CONTRA SI MESMO
(CF/88, ART. 5º, LXIII). AFRONTA AO PRINCÍPIO DA IGUALDADE. TRATAMENTO
DIFERENCIADO SEM MOTIVAÇÃO IDÔNEA. PROCEDÊNCIA DA ARGUIÇÃO. Não se pode
conceber a premissa de que, pelo simples fato de estar na condução de um
veículo, o motorista que se envolve em um acidente de trânsito tenha que
aguardar a chegada da autoridade competente para averiguação de eventual
responsabilidade civil ou penal porquanto reconhecer tal norma como
aplicável, seria impor ao condutor a obrigação de produzir prova contra si, hipótese vedada pela constituição
federal por ofender o preceito da ampla defesa (CF/88, art. 5º, LV), além de
incorrer em malferição ao direito ao silêncio (CF, art. 5º, LXIII). Ademais,
estar-se-ia punindo o agente por uma conduta praticada por qualquer outro
delinquente, qual seja, a evasão da cena do delito, sem que por tal conduta
recebam sanção mais alta ou acarrete maior gravosidade em suas penas,
estabelecendo-se forte contrariedade aos princípios da isonomia e da
proporcionalidade. desse modo, afigura-se inviável vislumbrar outra
responsabilidade penal a ser imputada ao motorista que se evade do local em
que estivera envolvido em acidente de trânsito com vítima que não a omissão
de socorro, situação com disposição específica no CTB (art. 304). Assim, se o
condutor que se encontra nessas circunstâncias, que resultaram apenas em
danos materiais, pode ter sua liberdade cerceada, está-se criando nova
modalidade de prisão por responsabilidade civil, matéria que encontra limites
constitucionais inestendíveis pelo legislador ordinário, o qual sofre
limitação pelo art. 5º, LXVII da CF/88, que impede a prisão civil por dívida,
afora as hipóteses nele excetuadas. (TJSC; Proc. 2009.026222-9/0001.00;
Forquilhinha; Segunda Câmara Criminal; Rel. Des. Salete Silva Somariva; Julg. 08/06/2011; DJSC
24/06/2011)
CONSTITUCIONAL. INCIDENTE DE ARGUIÇÃO DE
INCONSTITUCIONALIDADE. CRIME DE FUGA DO LOCAL DO ACIDENTE. ARTIGO 305 DA LEI
9.503/97 (CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO). GARANTIAS DA AMPLA DEFESA,
PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA, NÃO AUTOINCRIMINAÇÃO E DEVIDO PROCESSO LEGAL. DIREITO
PENAL COMOULTIMA RATIO. BEM JURÍDICO PROTEGIDO. AUSÊNCIA DE SUPORTE
CONSTITUCIONAL. ÔNUS DO ESTADO DE FAZER PROVA DA ACUSA- ÇÃO.
1.
O artigo 305 da Lei 9.503/97 (Código de
Trânsito Brasileiro) conflita com a ordem jurídica vigente ao impor sanção ao
acusado pelo fato de afastar-se do local do acidente, tisnando os direitos
que lhe são constitucionalmente assegurados, consubstanciados nas garantias
da ampla defesa, da presunção de inocência, da não autoincriminação e do
devido processo legal para a apuração de atos contrários ao Direito.
2.
Inolvidável é a natureza subsidiária do
direito penal, que atua sempre como ultima ratio de bens jurídicos cuja lesão
(ou perigo de) se mostre digna e necessitada de cominação de pena. 3. O tipo
em comento (artigo 305 do CTB) carece de referência constitucional, na medida
em que, buscando garantir o esclarecimento de fatos ocorridos em acidente de
trânsito, a fim de evitar que o agente se furte à responsabilidade civil e
criminal, lançou mão de tutela visivelmente desproporcional, porquanto
extremamente gravosa aos direitos e garantias fundamentais do indivíduo,
especialmente quando em cotejo com a finalidade visada pela norma penal,
outorgando tratamento sobremaneira oneroso ao motorista implicado em acidente
de trânsito. Sendo o Estado titular da pretensão punitiva, sobre ele pesa o
ônus de fazer a prova da acusação, mediante a observância do devido processo
legal, revelandose incompatível com a ordem constitucional vigente, na qual
consagrada a presunção de inocência, a tipificação de figura delitiva a modo
de facilitar o exercício do jus puniendi estatal. 4. Reconhecimento da
inconstitucionalidade do dispositivo adversado. (Arguição de
Inconstitucionalidade 0004934- 66.2011.404.0000/RS. Rel. Des. Victor Luiz dos
Santos Laus, Órgão Especial do TRF da 4ª Região. Julgamento em 19 de dezembro
de 2012)
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sábado, 8 de julho de 2017
“afastar-se o condutor do veículo do local do acidente, para fugir à responsabilidade penal ou civil que lhe possa ser atribuída” é crime ou não?
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