sábado, 8 de julho de 2017

“afastar-se o condutor do veículo do local do acidente, para fugir à responsabilidade penal ou civil que lhe possa ser atribuída” é crime ou não?


“afastar-se o condutor do veículo do local do acidente, para fugir à responsabilidade penal ou civil que lhe possa ser atribuída” é crime ou não?
O art. 305 da Lei 9.503, de 23 de setembro de 1997, Código de Trânsito Brasileiro (CTB) tipificou como crime o afastamento do condutor de veículo do local do acidente para fugir de responsabilidade cível ou penal, penalizando com detenção de 6 meses a um ano ou multa.
Acontece que, apesar do crime estar tipificado no CTB desde 1997, desde meados de 2008 em diante os Tribunais de Justiça de São Paulo, do Rio Grande do Sul, de Minas Gerais e de Santa Catarina, assim como o Tribunal Regional Federal da 4ª Região, ao acolherem incidentes perante eles suscitados, declararam a inconstitucionalidade da aludida norma federal em consequência a atipicidade do delito.
As teses apontam que o condutor de veículo automotor que se envolve em acidente de trânsito não pode ficar aguardando a chegada de autoridade competente para averiguação de responsabilidade civil ou penal, pois seria imposição da obrigação do condutor em produzir prova contra si mesmo ofendendo assim o preceito da ampla defesa, artigo 5º, LV da Constituição federal de 1988 (CF/88) e o direito ao silêncio, artigo 5º, LXIII da CF/88.
Diante dessas controvérsias judiciais o Procurador Geral Da República, Dr. Rodrigo Janot propôs em março de 2015 Ação Direta de Constitucionalidade com a seguinte tese, ipsis litteris:

Ademais, ao ser obrigado a permanecer no local do acidente, o motorista, mesmo sendo eventualmente o responsável pelo ocorrido, poderá tranquilamente, sem ser preso ou independentemente de qualquer sanção, calar-se ou se negar a assumir eventual responsabilidade civil ou penal que lhe possa vir a ser atribuída em todos os momentos seguintes, desde a apuração administrativa do fato pela autoridade de trânsito competente até o fim de eventuais ações civis ou penais contra ele ajuizadas. Em decorrência dos princípios da ampla defesa e da não autoincriminação, constantes dos incisos LV e LXIII do art. 5º da Constituição Federal, incumbirão unicamente ao Estado e aos acusadores
os deveres de persecução civil e penal e de produção do conteúdo probatório necessário à condenação do motorista, assegurando-se-lhe amplamente em todas aquelas ocasiões o direito de permanecer calado e de não produzir provas contrárias a seus interesses.
Não há falar, portanto, nessas circunstâncias, que o dispositivo legal em exame exige dos condutores envolvidos em acidentes a “produção de provas contra si”.
Cumpre ressaltar que no momento a ADC encontra-se conclusa com o Ministro Marco Aurélio.
Expressando uma singela opinião cumpre lembrar que o direito penal pelo princípio da fragmentariedade, da intervenção mínima, em que o Direito Penal deve se preocupar apenas com ofensas realmente graves aos bens jurídicos protegidos, no crime em comento o legislador tipificou  uma conduta que deveria ser penalizada apenas civilmente.

Ademais o artigo 304 do CTB já tipifica os casos em que realmente exigem uma posição mais rigorosa do legislador, verbis:

 Deixar o condutor do veículo, na ocasião do acidente, de prestar imediato socorro à vítima, ou, não podendo fazê-lo diretamente, por justa causa, deixar de solicitar auxílio da autoridade pública:
Penas - detenção, de seis meses a um ano, ou multa, se o fato não constituir elemento de crime mais grave

Sem querer banalizar a conduta de se evadir de um acidente de trânsito, mas temos que pensar que muitas vezes o abalroamento traz pequenos danos aos veículos, e por muitas vezes um dos envolvidos faz questão de perícia, sendo desnecessária na grande maioria. Castigo maior que a pena é obrigar o condutor do veículo ficar esperando autoridade competente para dar início a investigações no Brasil de hoje.
Segue alguns julgados sobre o tema:

Incidente de inconstitucionalidade (CF, art. 97; CPC, arts. 480 a 482). Código de Trânsito Brasileiro, art. 305 - fuga à responsabilidade penal e civil. Tipo penal que viola o princí- pio do art. 5°, LXIII - garantia de não autoincriminação. Extensão da garantia a qualquer pessoa, e não exclusivamente ao preso ou acusado, segundo orientação do STF. Imposição do tipo penal que acarreta a autoincriminação, prevendo sanção restritiva da liberdade, inclusive para a responsabilidade civil. Inconstitucionalidade reconhecida. Incidente acolhido. É inconstitucional, por violar o art. 5°, LXIII, da Constituição Federal, o tipo penal previsto no art. 305 do Código de Trânsito Brasileiro. (Arguição de Inconstitucionalidade 990.10.159020-4. Rel. Boris Kauffmann. Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo. Julgamento em 14/07/2010)

 INCIDENTE DE INCONSTITUCIONALIDADE. CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO. ARTIGO 305. EVASÃO DO LOCAL DO ACIDENTE. CONDUTA INEXIGÍVEL DO CONDUTOR. AUTOINCRIMINA- ÇÃO. FLAGRANTE PREJUÍZO PROCESSUAL. A prática de um ato ilícito enseja a correlata responsabilidade, civil ou penal. No caso de responsabilidade civil, a apuração compete exclusivamente ao titular da pretensão indenizató- ria. Tratando-se de responsabilidade penal, a persecução é dever do Estado, através do órgão imbuído de tal competência, mas jamais exigindo do autor do ilícito determinado proceder que possa, ao facilitar a administração da justiça, possibilitar sua incriminação, ao menos dentro da sistemática estabelecida pela Constituição Federal de 1988. Incidente de inconstitucionalidade julgado procedente. Por maioria. (Incidente de Inconstitucionalidade 70047947478, Tribunal Pleno do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Relator: Gaspar Marques Batista, Julgado em 24/06/2013)

INCIDENTE DE INCONSTITUCIONALIDADE - RESERVA DE PLENÁRIO - ART. 305, DO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO - INCOMPATIBILIDADE COM O DIREITO FUNDAMENTAL AO SILÊNCIO - INCONSTITUCIONALIDADE DECLARADA. (TJMG - Arg Inconstitucionalidade 1.0000.07.456021- 0/000, Relator(a): Des.(a) Sérgio Resende , CORTE SUPERIOR, julgamento em 11/06/2008, publicação da sú- mula em 12/09/2008) ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. APELAÇÃO CRIMINAL. ART. 305 DO CTB. FUGA DO LOCAL DO ACIDENTE PARA ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE CIVIL OU PENAL. INCONSTITUCIONALIDADE. VIOLAÇÃO AOS DIREITOS DE SILÊNCIO E DE NÃO PRODUZIR PROVA CONTRA SI MESMO (CF/88, ART. 5º, LXIII). AFRONTA AO PRINCÍPIO DA IGUALDADE. TRATAMENTO DIFERENCIADO SEM MOTIVAÇÃO IDÔNEA. PROCEDÊNCIA DA ARGUIÇÃO. Não se pode conceber a premissa de que, pelo simples fato de estar na condução de um veículo, o motorista que se envolve em um acidente de trânsito tenha que aguardar a chegada da autoridade competente para averiguação de eventual responsabilidade civil ou penal porquanto reconhecer tal norma como aplicável, seria impor ao condutor a obrigação de produzir prova contra si,  hipótese vedada pela constituição federal por ofender o preceito da ampla defesa (CF/88, art. 5º, LV), além de incorrer em malferição ao direito ao silêncio (CF, art. 5º, LXIII). Ademais, estar-se-ia punindo o agente por uma conduta praticada por qualquer outro delinquente, qual seja, a evasão da cena do delito, sem que por tal conduta recebam sanção mais alta ou acarrete maior gravosidade em suas penas, estabelecendo-se forte contrariedade aos princípios da isonomia e da proporcionalidade. desse modo, afigura-se inviável vislumbrar outra responsabilidade penal a ser imputada ao motorista que se evade do local em que estivera envolvido em acidente de trânsito com vítima que não a omissão de socorro, situação com disposição específica no CTB (art. 304). Assim, se o condutor que se encontra nessas circunstâncias, que resultaram apenas em danos materiais, pode ter sua liberdade cerceada, está-se criando nova modalidade de prisão por responsabilidade civil, matéria que encontra limites constitucionais inestendíveis pelo legislador ordinário, o qual sofre limitação pelo art. 5º, LXVII da CF/88, que impede a prisão civil por dívida, afora as hipóteses nele excetuadas. (TJSC; Proc. 2009.026222-9/0001.00; Forquilhinha; Segunda Câmara Criminal; Rel. Des. Salete Silva             Somariva; Julg. 08/06/2011; DJSC 24/06/2011)

CONSTITUCIONAL. INCIDENTE DE ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. CRIME DE FUGA DO LOCAL DO ACIDENTE. ARTIGO 305 DA LEI 9.503/97 (CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO). GARANTIAS DA AMPLA DEFESA, PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA, NÃO AUTOINCRIMINAÇÃO E DEVIDO PROCESSO LEGAL. DIREITO PENAL COMOULTIMA RATIO. BEM JURÍDICO PROTEGIDO. AUSÊNCIA DE SUPORTE CONSTITUCIONAL. ÔNUS DO ESTADO DE FAZER PROVA DA ACUSA- ÇÃO.
    1.       O artigo 305 da Lei 9.503/97 (Código de Trânsito Brasileiro) conflita com a ordem jurídica vigente ao impor sanção ao acusado pelo fato de afastar-se do local do acidente, tisnando os direitos que lhe são constitucionalmente assegurados, consubstanciados nas garantias da ampla defesa, da presunção de inocência, da não autoincriminação e do devido processo legal para a apuração de atos contrários ao Direito.
      2.       Inolvidável é a natureza subsidiária do direito penal, que atua sempre como ultima ratio de bens jurídicos cuja lesão (ou perigo de) se mostre digna e necessitada de cominação de pena. 3. O tipo em comento (artigo 305 do CTB) carece de referência constitucional, na medida em que, buscando garantir o esclarecimento de fatos ocorridos em acidente de trânsito, a fim de evitar que o agente se furte à responsabilidade civil e criminal, lançou mão de tutela visivelmente desproporcional, porquanto extremamente gravosa aos direitos e garantias fundamentais do indivíduo, especialmente quando em cotejo com a finalidade visada pela norma penal, outorgando tratamento sobremaneira oneroso ao motorista implicado em acidente de trânsito. Sendo o Estado titular da pretensão punitiva, sobre ele pesa o ônus de fazer a prova da acusação, mediante a observância do devido processo legal, revelandose incompatível com a ordem constitucional vigente, na qual consagrada a presunção de inocência, a tipificação de figura delitiva a modo de facilitar o exercício do jus puniendi estatal. 4. Reconhecimento da inconstitucionalidade do dispositivo adversado. (Arguição de Inconstitucionalidade 0004934- 66.2011.404.0000/RS. Rel. Des. Victor Luiz dos Santos Laus, Órgão Especial do TRF da 4ª Região. Julgamento em 19 de dezembro de 2012)


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