segunda-feira, 15 de maio de 2017

Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza e seu Recolhimento pelos Oficiais de Registro de Imóveis

Oficial de Registro de Imóveis de Títulos e Documentos de Americana-São Paulo ingressou com Ação Declaratória de Inexistência de Relação Jurídico-Tributária em face do Município de Americana, em 27/01/2004, sob o argumento de que o ISSQN (Imposto sobre serviços de Qualquer Natureza) não incide sobre a prestação dos serviços notariais prestados pela mesma.

A 15ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, sob o nº 541.426-5/8 em grau de recurso julgou a demanda totalmente procedente.

Irresignado, o Município de Americana interpôs Recurso Especial e Extraordinário os quais não foram admitidos pelo Tribunal de Justiça, transitando em julgado a demanda em 15/02/2008.

Verifiquem que até aqui o Oficial de Registro de Imóveis de Títulos e Documentos de Americana-São Paulo havia ganhado com trânsito em julgado!

Neste ponto, consigne-se que o trânsito em julgado abarcou a coisa julgada, princípio norteador do Estado Democrático de Direito inserido no artigo 5º da Constituição Federal, em seu inciso XXXVI, que dispõe, in verbis: “A lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada” (grifo nosso).

Segundo a Constituição Democrática de 1988 a coisa julgada é um direito fundamental e uma garantia constitucional, não podendo ser alterada pela lei, nem pelo Juiz, e, por se tratar de um direito fundamental, não é passível de modificação nem mesmo por meio de emenda constitucional, de acordo com o disposto no artigo 60, inciso IV da Constituição Federal de 1988.

Seu fundamento é não permitir que se volte a decidir acerca das questões já decididas pelo Poder Judiciário, a fim de se conferir segurança às relações jurídicas, e paz na convivência social, evitando a perpetuação, e a eternização dos conflitos.

Porém, como toda regra, há uma exceção, e, no caso em tela havia uma Ação Direta de Inconstitucionalidade sobre o assunto tramitando no Supremo tribunal Federal (STF) sob o nº 3089. Em 13/02/2008, com votação não unânime o Plenário do STF assim decidiu: A imunidade recíproca é uma garantia ou prerrogativa imediata de entidades políticas federativas, e não de particulares que executem, com inequívoco intuito lucrativo, serviços públicos mediante concessão ou delegação, devidamente remunerados. Não há diferenciação que justifique a tributação dos serviços públicos concedidos e a não-tributação das atividades delegadas.
Ação Direta de Inconstitucionalidade conhecida, mas julgada improcedente.

Assim, o Município de Americana/SP, em 28/08/2009, manejando Ação Rescisória (espécie de sucedâneo recursal externo, ação autônoma que tem como fulcro desconstituir coisa julgada oriunda de decisão judicial transitada em julgado) e, com base na ADIN 3089, solicitou a rescisão do acórdão que afastou a possibilidade de incidência do ISSQN sobre os serviços notarias prestados pelo Oficial do Registro de Imóveis.

Neste ponto consigne-se que o art. 975 do nóvel Código de Processo Civil (CPC) preconiza que o direito à rescisão se extingue em 2 (dois) anos contados do trânsito em julgado da última decisão proferida no processo. E as hipóteses de Rescisão estão elencadas no artigo 966 e seguintes do mesmo códex.

O Oficial de Registro de Imóveis contestou a Rescisória aludindo em sua tese que a decisão rescindenda não representava violação à literal dispositivo de Lei conforme preconizava o antigo inciso V, do artigo 485 do CPC, e, alterado no artigo 966, inciso V do nóvel CPC para: V - violar manifestamente norma jurídica, e, invocou a súmula 343 do STF: Não cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais.

Subsidiariamente solicitou que caso viesse a ser vencido os efeitos da decisão fossem apenas “ex nunc”, ou seja, dali para frente, não podendo ser cobrado retroativamente o imposto em questão em atenção aos princípios tributários da não surpresa, da irretroatividade das normas, da coisa julgada e da segurança jurídica e, ainda, que a tributação recaia sob a forma de trabalho pessoal, ou seja, com base no valor fixo, nos moldes do artigo 9° do Decreto-Lei n° 406/1968 (fls. 287/312).

A 15ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em decisão não unânime, decidiu pela desconstituição do acórdão rescindendo pelas razões expostas a seguir.

Preliminarmente merece destaque o douto voto do i. Desembargador Relator Silva Russo, que, em considerações iniciais assim começou seu voto, in verbis:

Conquanto assim não entenda este Relator, a constitucionalidade da incidência do ISS nos serviços de registros públicos, cartorários e notariais, no regime da Lei Complementar n° 116/03, restou afirmada no Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI no 3.089/DF, ocorrido em 13 de fevereiro pretérito, cuja ementa esclarece: ...
As pessoas que exercem atividade notarial não são imunes à tributação, porquanto a circunstância de desenvolverem os respectivos serviços com intuito lucrativo invoca a exceção prevista no art. 150, § 3" da Constituição. O recebimento de remuneração pela prestação dos serviços confirma, ainda, capacidade contributiva. A imunidade recíproca é uma garantia ou prerrogativa imediata de entidades políticas federativas, e não de particulares que executem, com inequívoco intuito lucrativo, serviços públicos mediante concessão ou delegação, devidamente remunerados. Não há diferenciação que justifique a tributação dos serviços públicos concedidos e a não tributação das atividades delegadas. Ação Direta de Inconstitucionalidade conhecida, mas julgada improcedente". (grifo nosso)

Note-se que apesar dele não concordar com a incidência do ISSQN sobre os serviços de Registros Públicos, cartorários e notariais, ele declara que
As pessoas que exercem atividade notarial não são imunes à tributação, porque a decisão restou afirmada em ADIn acordada no STF.

Neste ponto cumpre ressaltar a soberania do STF, principalmente em ações de ADC, ADI, ADPF que vinculam todos os demais órgãos do judiciário às suas decisões.

Retornando ao voto, o i. Relator destacou o voto o i. Ministro à época Joaquim Barbosa, ipsis litteris:

Passo a examinar a incidência do imposto sobre atividade vinculada à atuação estatal. Como bem observou o eminente Ministro Carlos Britto, a jurisprudência predominante da Corte reconhece a índole estatal dos serviços, bem como que tal materialidade constitui hipótese de incidência típica de taxa. Contudo, como busquei expor, não há diferenciação que justifique a tributação dos serviços públicos concedidos e a não-tributação das atividades delegadas. A tributação de ambos os tipos de atividade se justifica mediante o exame da capacidade contributiva tanto da atividade quanto dos agentes que a exploram com viés económico. A Constituição comete expressamente aos municípios e ao Distrito Federal competência para instituir imposto sobre serviços de qualquer natureza, ainda que públicos, quando desempenhados por particulares mediante remuneração. A circunstância de os serviços notariais delegados corresponderem a uma terceira classe não afasta suas demais notas, especialmente a de ser prestação de fazer onerosa, executada por particular com interesse econômico próprio. Trata-se, portanto, de serviço de qualquer natureza, não compreendido no âmbito do Imposto sobre Serviços de Comunicações e Transportes Intermunicipais (ICMS). Do exposto, e renovando o pedido de vénia ao eminente relator, julgo improcedente esta ação direta de inconstitucionalidade.

Superado e em conformidade com decisão do STF, o i. relator passou a relatar que o contribuinte oficial cartorário não faz jus à tributação privilegiada e solicitada subsidiariamente pelo oficial, in verbis:

A Constituição Federal de 1988 delega a particulares a execução dos serviços notariais e de registros, que são desenvolvidos em caráter privado, mediante a realização de concurso público, conforme determina seu artigo 236. Não obstante seja essa outorga conferida a uma pessoa natural, de forma permanente e em caráter pessoal, para que se afigure, no mínimo, eficiente e organizada, a prestação dos serviços em apreço, os notários, tabeliães e registradores podem contratar - como, de fato, sabidamente, contratam - empregados que os auxiliam no desempenho de suas funções, de acordo com o artigo 20, "caput", da.Lei n° 8.935/94, tanto que os cartórios extrajudiciais possuem inscrição no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica. Nesse sentido, os parágrafos terceiro e quarto, do aludido dispositivo legal, autorizam escreventes e substitutos, a praticarem os mesmos atos próprios do notário, ou registrador, o que afasta a característica estritamente pessoal, do trabalho deste último. A corroborar tal conclusão, diz ainda o artigo 21 daquela Lei que: "O gerenciamento administrativo e financeiro dos serviços notariais e de registro é da responsabilidade exclusiva do respectivo titular, inclusive no que diz respeito às despesas de custeio, investimento e pessoal, cabendo-lhe estabelecer normas, condições e obrigações relativas à atribuição de funções e de remuneração de seus prepostos de modo a obter a melhor qualidade na prestação dos serviços". Como se percebe e senão em casos excepcionais, entre os quais o contribuinte/réu evidentemente não se enquadra, os serviços do seu cartório dependem de toda uma estrutura organizacional, por ele montada e não apenas do seu trabalho pessoal, o que afasta a aplicação, na espécie, do §1° do artigo 90 do Decreto-Lei 406/68.

Quanto aos efeitos da decisão rescindenda, revestiu-se de caráter “EX TUNC”, com alcance do artigo 156, inciso X do Código Tributário Nacional (CTN), ou seja, o alcance da decisão vai lá na origem, mas, respeitando o artigo 156, X do CTN que preconiza a extinção do crédito tributário pela decisão judicial passada em julgado.

Como a decisão não havia sido unânime o i. Oficial de Registro de imóveis opôs Embargos infringentes com fulcro no artigo 530 e ss do antigo CPC e artigo 181, IV do Regimento interno do TJSP.

Lembrando que os findos embargos infringentes assim prelecionavam:

 Art. 530. Cabem embargos infringentes quando o acórdão não unânime houver reformado, em grau de apelação, a sentença de mérito, ou houver julgado procedente ação rescisória. Se o desacordo for parcial, os embargos serão restritos à matéria objeto da divergência

O nóvel CPC não contempla, em seu rol taxativo de recursos, os embargos infringentes, mas, por outro lado prevê em seu artigo 942, uma nova técnica de complementação de julgamentos não unânimes, forjada com propósitos assemelhados aos do extinto recurso de embargos infringentes.

O artigo 942 do novo código dispõe que “quando o resultado da apelação for não unânime, o julgamento terá prosseguimento em sessão a ser designada com a presença de outros julgadores, que serão convocados nos termos previamente definidos no regimento interno, em número suficiente para garantir a possibilidade de inversão do resultado inicial, assegurado às partes e a eventuais terceiros o direito de sustentar oralmente suas razões perante os novos julgadores”. Assim, “o prosseguimento do julgamento deverá garantir a possibilidade de o voto minoritário acabar preponderante, já que, em tese, poderá ser acompanhado por, no mínimo, dois outros votos”.

Saliente-se que o novo diploma processual não exige, para a complementação do julgamento por julgadores adicionais, que tenha havido a reforma da sentença proferida em primeiro grau de jurisdição. Basta, portanto, a existência de divergência para possibilitar a inclusão, no mesmo órgão julgador, de novos magistrados, em número capaz de permitir, em tese, que o voto vencido venha a prevalecer. Ampliou-se, portanto, por esse aspecto, a possibilidade de nova apreciação de voto divergente, por órgão colegiado de segundo grau de jurisdição.

Retornando aos embargos infringentes do caso em tela, foi negado provimento.

Irresignado, o Oficial Notarial, interpôs Recurso Especial (REsp) ao STJ com fulcro no artigo 105, III, a, ipsis litteris:

Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça:
III - julgar, em recurso especial, as causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão recorrida:
a)      contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência;

O REsp não foi admitido com fulcro na súmula 83 do colendo Tribunal da Cidadania, in verbis:

NÃO SE CONHECE DO RECURSO ESPECIAL PELA DIVERGENCIA, QUANDO A ORIENTAÇÃO DO TRIBUNAL SE FIRMOU NO MESMO SENTIDO DA DECISÃO RECORRIDA

Ainda não conformado o i. Oficial Notarial interpôs agravo ao Resp que restou não conhecido por não ter atacado especificamente os fundamentos da decisão agravada nos termos do artigo 932, III do nóvel CPC e artigo 253, § único, inciso I do Regimento interno do STJ.

Contrariado, o Oficial Notarial interpôs Recurso Extraordinário perante o Supremo Tribunal Federal que negou seguimento por falta de Repercussão Geral da matéria combatida.

Não satisfeito, agravou da decisão insurgindo que a matéria em questão era objeto de Repercussão Geral.

O acórdão em seção virtual do plenário, em 06/04/2017, por unanimidade negou provimento ao Agravo Regimental, pondo fim a 13 (treze) anos de disputa judicial sobre o tema, sob a presidência da douta e i. Ministra Carmém Lúcia. Condenaram ainda, o Oficial Notarial ao pagamento de honorários advocatícios majorados, bem como a multa prevista no artigo 1.021, § 4 do CPC.

Veja o final do voto, in verbis:

...

3. Os argumentos do Agravante, insuficientes para modificar a decisão agravada, demonstram apenas inconformismo e resistência em pôr termo a processos que se arrastam em detrimento da eficiente prestação jurisdicional.
4. Pelo exposto, nego provimento ao agravo regimental, condeno a parte sucumbente, nesta instância recursal, ao pagamento de honorários advocatícios majorados em 1%, percentual que se soma ao fixado na origem, obedecidos os limites do art. 85, § 2º, § 3º e § 11, do Código de Processo Civil, ressalvada eventual concessão do benefício da justiça gratuita, e aplico a multa prevista no art. 1.021, § 4º, do Código de Processo Civil no percentual de 1%.
CONSIDERAÇÕES FINAIS:
    
          Esta luta processual começou em   27/01/2004 e terminou em 06/04/2017. Parabenizo tanto o ilustre Oficial Notarial quanto aos doutos Procuradores do Município de São Paulo, pois, ambos demonstraram conhecimento jurídico, convicção, excelentes peças processuais, e, acima de tudo, recorreram até a última instância convictos dos direitos pleiteados, o que serve para os operadores do Direito como grande exemplo. Note-se que o Oficial Notarial havia ganhado inclusive com trânsito em julgado o direito de não recolher o ISSQN ao Município, e, que após ADIn julgado no STF o Município de São Paulo em Ação Rescisória desconstituiu a coisa julgada. Imperioso neste momento aludir que nem todos os desembargadores e Ministros durante o processo concordaram com a decisão. E, finalmente, concluindo, por isso que a advocacia, sendo pública ou privada é tão motivadora e aguça em nós um sentimento de buscar o aprender a cada dia!

Brasília, 15 de maio de 2017
Anderson Siqueira Lourenço
OAB/DF 39.544


 

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