terça-feira, 28 de junho de 2022

Plano de Saúde é obrigado a indenizar herdeiros de segurada com Covid-19 que não conseguiu transferência para UTI



O TJDFT manteve decisão que condenou a seguradora de saúde Notre Dame a indenizar em R$ 19.500, por danos morais, os herdeiros de uma beneficiária que faleceu em decorrência da Covid-19, após ter vaga de UTI negada pela seguradora.

No caso em tela, a família acionou a justiça para obrigar a seguradora a realizar a transferência do Hospital das Clínicas da Ceilândia para unidade dotada de UTI, com suporte a Covid-19.  O Juiz "a quo", em decisão liminar, determinou que a ré fosse transferida para UTI de outro hospital da rede credenciada.

Sem a transferência, no dia seguinte à decisão, a segurada faleceu e os seus sucessores foram incluídos no polo ativo da demanda a fim de serem indenizados.

Na sentença, o magistrado confirmou a liminar e condenou o convênio a pagar danos morais aos herdeiros da segurada. A ré recorreu sob o argumento de que não restou configurada a negativa de autorização para o tratamento, alegando que a internação em unidade de terapia intensiva não aconteceu, por não haver vagas disponíveis na rede particular de saúde na época.

Ao analisar o caso, a desembargadora relatora reforçou que, embora a ré relate a ausência de vagas na rede privada, a consulta ao sistema Infosaúde-DF, realizada em 27/5/2021, indicava a existência de leitos nos estabelecimentos de saúde privados do DF, dentre elas nove no Hospital Santa Marta. A magistrada ressaltou, ainda, que a consulta ao referido sistema foi realizada aproximadamente duas horas antes do ajuizamento da ação.

“Destaque-se que a efetiva internação da demandante, em leito de UTI Covid-19, ocorreu apenas em 28/5/2021, após a concessão da tutela de urgência e a notificação judicial expedida aos hospitais, tornando evidente a negligência da ré quanto à adoção de medidas para viabilizar o tratamento da paciente, em face da extrema gravidade do seu estado de saúde”, observou.

De acordo com a Turma, o plano de saúde responde, independentemente da existência de culpa, por defeitos relativos à prestação de serviços, bem como pelas informações pertinentes que se mostrem insuficientes, conforme prevê o Código de Defesa do Consumidor (CDC). “A demora injustificada na adoção de medidas necessárias para a transferência de paciente para Unidade de Terapia Intensiva destinada ao tratamento de Covid-19 configura circunstância apta a ensejar danos de ordem moral, sobretudo quando observado óbito superveniente da paciente, a despeito de haver sido transferida em decorrência do deferimento de tutela de urgência”, concluíram os desembargadores.

No entendimento dos magistrados, o dano moral, no caso, tem natureza in re ipsa, ou seja, sem necessidade de efetiva comprovação, pois é presumível o profundo abalo psicológico decorrente da demora injustificada na emissão e autorização para transferência da paciente, em virtude do risco iminente de agravamento de seu quadro clínico.

 Processo TJDFT: 0714436-10.2021.8.07.0003

segunda-feira, 27 de junho de 2022

Pela "Teoria do Desvio Produtivo" a desnecessária perda de tempo útil imposta pelo fornecedor para o reconhecimento do direito do consumidor configura abusividade e enseja indenização por danos morais.

 


Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Superior Tribunal de Justiça vem acolhendo a “Teoria do Desvio Produtivo” como tese em respeito ao tempo do consumidor

Segundo a teoria do desvio produtivo, a desnecessária perda de tempo útil imposta pelo fornecedor para o reconhecimento do direito do consumidor configura abusividade e enseja indenização por danos morais.

 Confira trecho da ementa do acórdão 1338974, 07623639820198070016, Relator: CARLOS ALBERTO MARTINS FILHO, Terceira Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal, data de julgamento: 12/5/2021, publicado no PJe: 17/5/2021, verbis:

"(...) 6. A tentativa frustrada de solucionar a controvérsia extrajudicialmente (protocolos de atendimento e reclamação na ANATEL), a fim de conseguir utilizar regularmente a linha, revela desídia da empresa ré e procrastinação na solução do problema sem razão aparente, o que causa extremo desgaste ao consumidor. 7.  Além disso, o esforço e a desnecessária perda de tempo útil empregado para o reconhecimento dos direitos do demandante, que não obteve fácil solução dos seus reclames na via administrativa (Teoria do Desvio Produtivo do Consumidor), sendo independente o meio pelo qual foi solicitado a solução do seu problema, pessoalmente, por meio de call center ou via aplicativo, são circunstâncias que extrapolam o limite do mero aborrecimento e atinge a esfera pessoal, motivo pelo qual subsidia reparação por dano moral." (grifo nosso)

O tempo perdido no atendimento precário de agências bancárias

A teoria do desvio produtivo também aplicada no REsp 1.737.412, originada de ação civil pública ajuizada pela Defensoria Pública de Sergipe contra o Banco de Sergipe, para que a instituição financeira cumprisse, entre outras medidas, as regras de tempo máximo para atendimento presencial nas agências.

Em primeiro grau, o juiz condenou o banco a disponibilizar pessoal suficiente para o atendimento nos caixas, a fim de que fosse possível respeitar o tempo máximo na fila de atendimento. O magistrado também condenou a instituição ao pagamento de danos morais coletivos de R$ 200 mil, mas o Tribunal de Justiça de Sergipe afastou a compensação pelos prejuízos extrapatrimoniais.

Nancy Andrighi explicou que o dano moral coletivo se diferencia do dano individual – que busca, primordialmente, a restauração ao status quo anterior ao prejuízo da vítima – e tem o objetivo de sancionar o responsável pela lesão, inibindo assim a prática ofensiva. Como consequência, apontou, ocorre a redistribuição do lucro obtido de forma ilegítima por aquele que ofendeu a sociedade.

Segundo a ministra, um dos principais propósitos do sistema capitalista – concebido como um sistema de produção de bens e de prestação de serviços baseado na eficiência e na especialização – é gerar o máximo de aproveitamento possível dos recursos produtivos disponíveis.

Citando a doutrina de Marcos Dessaune, Nancy Andrighi comentou que, na sociedade pós-industrial, o consumo de um produto ou serviço de qualidade, produzido por um fornecedor especializado na atividade, tem a utilidade subjacente de tornar disponíveis o tempo e as competências que o consumidor precisaria para produzi-lo para o seu próprio uso.

Dessa análise, de acordo com a relatora, extrai-se uma espécie de função social da atividade dos fornecedores, relacionada à otimização e ao máximo aproveitamento dos recursos produtivos disponíveis na sociedade – entre eles, o tempo.

O tempo perdido e a otimização do lucro empresarial

Nancy Andrighi reforçou que a proteção à intolerável e injusta perda do tempo útil do consumidor ocorre pelo desrespeito voluntário das garantias legais, com o nítido intuito de otimizar o lucro em prejuízo da qualidade dos serviços – conduta que justifica a condenação por danos morais coletivos.

No caso dos autos, a relatora lembrou que a legislação municipal estabelecia como constrangimento do consumidor tempo de espera superior a 15 minutos em dias normais e 30 minutos em dias especiais, mas o banco impunha aos clientes tempo de espera que ultrapassava duas horas.

"A instituição financeira recorrida optou por não adequar seu serviço a esses padrões de qualidade, impondo à sociedade o desperdício de tempo útil e acarretando violação ao interesse social de máximo aproveitamento dos recursos produtivos", concluiu a ministra ao restabelecer a condenação por danos morais coletivos.

O tempo perdido em longas esperas no caixa eletrônico

Também com base na teoria do desvio produtivo, a Terceira Turma manteve a condenação de dois bancos ao pagamento de danos morais coletivos de R$ 500 mil cada, em razão de falhas em terminais eletrônicos por causa do desabastecimento dos caixas. Na ação, o Ministério Público do Tocantins relatou período de espera superior a 40 minutos para que os consumidores conseguissem utilizar os terminais.

"É imperioso concluir que a inadequada prestação de serviços bancários, caracterizada pela reiterada existência de caixas eletrônicos inoperantes, sobretudo por falta de numerário, e pelo consequente excesso de espera em filas por tempo superior ao estabelecido em legislação municipal, é apta a caracterizar danos morais coletivos", destacou a ministra Nancy Andrighi.

 

Leia também: REsp 1929288  REsp 1737412    REsp 1634851

 

Anderson Siqueira Lourenço


quarta-feira, 22 de junho de 2022

AÇÃO DE USUCAPIÃO DEPENDE DE PROCEDIMENTO EXTRAJUDICIAL PRÉVIO?

 


AÇÃO DE USUCAPIÃO DEPENDE DE PROCEDIMENTO EXTRAJUDICIAL PRÉVIO?

 

Não se pode olvidar que o Direito serve para a adaptação social, ordenando a comunidade e viabilizando a convivência. Traça, pois, regras de controle social...

                                                                    Farias e Rosenvald

Preliminarmente, insta consignar que o instituto da usucapião pertence ao Direito Privado, Direito Civil, inserto no Livro III (Do Direito das Coisas), Título III (Da Propriedade), Capítulo II (Da Aquisição da Propriedade Imóvel), Seção I (Da Usucapião) do Código Civil Brasileiro de 200, sendo instrumento/meio para efetivar e transformar a posse em propriedade. 

A posse está regrada no mesmo códex e livro da usucapião, antecedendo o Título II (Dos Direitos Reais), estreia o instituto do Direito das Coisas com o Título I: Da Posse. 

Cumpre enunciar que no Título III (Da Propriedade), a sua aquisição por meio da usucapião (Seção I) antecede a aquisição pelo registro do título (Seção II), destacando e reconhecendo sua grande importância na vida social brasileira.

Contrariamente ao que muitos pensam, o Direito Possessório possui tratamento concorde ao Direito Real, sendo tutelado pela legislação, doutrina e jurisprudência brasileira de forma acurada. 

Apesar de, tanto o direito possessório quanto o direito real orbitarem a esfera patrimonial, ambos são peculiarmente distintos. 

No Direito Reala propriedade se transfere, entre vivos, mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis, ou seja, o proprietário ou seu procurador efetivam a transferência, pessoa para pessoa, após pagar os devidos tributos, taxas, emolumentos, no Cartório de Registro de Imóveis em que a propriedade está registrada. Também existem características próprias: direito de sequela (art. 1.228 do C.C/02); direito de preferência (arts. 961, 1.419 e 1.422 do C.C/02); oponível erga omnes (absolutismo dos direitos reais); obediência a um rol taxativo (numerus clausus) de institutos, previstos em lei, consagrando o princípio da tipicidade dos Direitos Reais (art. 1.225 C.C/02); regência do princípio da publicidade, o que se dá pela entrega da coisa ou tradição (no caso de bens móveis) e pelo registro (no caso de bens imóveis). 

Já no Direito Possessório, pela posse ser o exercício de propriedade, podendo ser transmitida por instrumento particular, cessão de direitos, de forma tácita, ou até mesmo pelo uso por determinado lastro de tempo da propriedade, o possuidor só terá efetivamente a propriedade se valendo da usucapião judicial (art. 1.238 a 1.244 do C.C/02 e usucapião extrajudicial (art. 216-A da Lei 6.015/1973). Nosso ordenamento jurídico possui 3 (três) ações possessórias existentes: Interdito Proibitório; Manutenção da Posse e Reintegração da Posse (arts. 554 a 568 do CPC/15). 

A posse seria o poder de fato e a propriedade, o poder de direito sobre a coisa...A posse é a porta que conduziria à propriedade, um meio que conduz a um fim, segundo Farias e Rosenvald. Ambos doutrinadores também citam Ihering onde afirma que a posse só se converte em direito, em homenagem ao direito superior de propriedade.

 

AFINAL, É NECESSÁRIO QUE SEJA FEITA A TENTATIVA DE USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL ANTES DE PODER INGRESSAR COM A USUCAPIÃO JUDICIAL? 

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que o ajuizamento de ação de usucapião independe de pedido prévio na via extrajudicial. O relator do processo foi o ministro Villas Bôas Cueva. 

A decisão veio no julgamento de recurso especial interposto contra acórdão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) que, ao manter a sentença, entendeu que configura falta de interesse processual a proposição de ação de usucapião sem a demonstração de que tenha havido empecilho na via administrativa – posição alinhada ao Enunciado 108 do Centro de Estudos e Debates (Cedes-RJ), segundo o qual "a ação de usucapião é cabível somente quando houver óbice ao pedido na esfera extrajudicial". 

No STJ, a autora da ação sustentou que o acórdão violou o artigo 216-A da Lei 6.015/1973, o qual dispõe que, "sem prejuízo da via jurisdicional, é admitido o pedido de reconhecimento extrajudicial de usucapião, que será processado diretamente perante o cartório do registro de imóveis da comarca em que estiver situado o imóvel usucapiendo, a requerimento do interessado, representado por advogado".

 Lei é expressa quanto ao cabimento do pedido diretamente na via judicial 

Ao proferir seu voto, o ministro Villas Bôas Cueva destacou que a questão é definir se o artigo 216-A da Lei 6.015/1973 – com a redação dada pelo artigo 1.071 do Código de Processo Civil de 2015, que criou a figura da usucapião extrajudicial – passou a exigir, como pré-requisito para a propositura da ação judicial, o esgotamento da via administrativa.

Ele ressaltou que a Terceira Turma, no REsp 1.824.133, decidiu pela existência de interesse jurídico no ajuizamento direto da ação de usucapião, independentemente de prévio pedido extrajudicial. Naquele caso, o acórdão impugnado havia baseado sua decisão exatamente no Enunciado 108 do Cedes-RJ, mas a Terceira Turma entendeu que, apesar de louvável a intenção de desjudicialização de conflitos, não é possível relativizar a regra legal do caput do artigo 216-A da Lei 6.015/1973, que faz expressa ressalva quanto ao cabimento direto da via jurisdicional. 

"Nota-se que o novel procedimento extrajudicial foi disciplinado 'sem prejuízo da via jurisdicional', de modo que a conclusão das instâncias ordinárias – que entenderam necessário o esgotamento da via administrativa – está em confronto com a legislação de regência", concluiu Villas Bôas Cueva.

 

Leia o acórdão do REsp 1.796.394 


terça-feira, 21 de junho de 2022

Superior Tribunal de Justiça determina perícia sobre lucros do SBT para definir indenização por exibição não autorizada da novela Pantanal

 

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) considerou necessária a realização de perícia para servir de base à fixação do valor da indenização por danos morais a ser paga pelo Sistema Brasileiro de Televisão (SBT) ao escritor Benedito Ruy Barbosa, em razão da exibição não autorizada de uma versão editada da novela Pantanal, de sua autoria.

A novela – transmitida originalmente em 1990, pela extinta TV Manchete – teve uma reprise levada ao ar pelo SBT, entre 2008 e 2009. Em 2016, os ministros da Terceira Turma acolheram recurso do escritor e condenaram o SBT ao pagamento de indenização por danos morais e patrimoniais devido à exibição da versão editada e não autorizada da obra.

Parâmetros objetivos para quantificação da indenização

Dessa vez, a turma julgadora discutiu se é ou não imprescindível a realização de perícia para que sejam determinados os parâmetros objetivos para a fixação do valor da indenização devida a título de danos morais.

Decisão interlocutória de primeiro grau determinou que fosse feita a perícia. No entanto, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) decidiu que a perícia técnica não seria necessária, argumentando que a fixação do valor indenizatório reclamaria análise eminentemente subjetiva do magistrado, o qual teria liberdade para eleger os critérios a serem utilizados no caso.

No recurso especial apresentado ao STJ, invocando os artigos 156 e 510 do Código de Processo Civil, o autor da novela defendeu a realização da perícia para melhor quantificar a compensação, pois, segundo ele, a decisão que determinou o pagamento de danos morais apontou a necessidade de o valor ser fixado de acordo com o volume econômico da atividade na qual se deu a inserção indevida da obra.

Indenização deve levar em conta o lucro da emissora

O relator, ministro Moura Ribeiro, ressaltou que a Terceira Turma, no julgamento do REsp 1.558.683, não apenas deferiu o pedido de indenização por danos morais (pela veiculação não autorizada e desfigurada da novela), como também estabeleceu um critério objetivo para a sua quantificação.

Segundo o magistrado, o acórdão proferido na ocasião estabeleceu que a quantificação dos danos morais se faria mediante arbitramento. Ele acrescentou que, no julgamento dos embargos de declaração que se seguiu, ficou definido que, embora a quantificação do dano estivesse a cargo do juiz, deveria ser observado o volume econômico da atividade em que a obra foi inserida.

"Considerando que escapa das regras normais da experiência um conhecimento adequado acerca dos lucros obtidos pelo SBT com a divulgação (indevida) da novela Pantanal, tem-se, de fato, como imprescindível a realização da perícia determinada em primeiro grau de jurisdição, para que, levando em conta a observação relativa aos lucros percebidos, seja fixado percentual sobre tal verba que sirva de efetiva recomposição dos danos morais do autor" – destacou o relator ao dar provimento ao recurso especial.

Leia o acórdão do REsp 1.983.290.

segunda-feira, 20 de junho de 2022

STJ reafirma que imóvel de empresa usado como moradia de sócio e dado em caução de locação comercial é impenhorável!


 O imóvel dado em caução em contrato de locação comercial, que pertence a determinada sociedade empresária e é utilizado como moradia por um dos sócios, recebe a proteção da impenhorabilidade do bem de família.

Com esse entendimento, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) confirmou acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) que manteve a impenhorabilidade de imóvel caucionado que se destina à moradia familiar do sócio da empresa caucionante.

A controvérsia teve origem em execução promovida por um shopping center contra uma empresa de pequeno porte. O TJSP vetou a penhora do apartamento dado em garantia da locação, no qual moram o dono da empresa proprietária do imóvel e sua esposa, que é sócia da executada.

No recurso ao STJ, o shopping sustentou que, tendo sido o imóvel oferecido em caução no contrato de locação comercial, não deveria ser aplicada a regra da impenhorabilidade.

Caução não afasta proteção do bem de família

Para o ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, relator, a caução em locação comercial não tem o poder de afastar a proteção do bem de família. O ministro lembrou que as exceções à regra da impenhorabilidade são taxativas, não cabendo interpretações extensivas (REsp 1.887.492).

Ele mencionou precedentes do tribunal segundo os quais, em se tratando de caução em contratos de locação, não é possível a penhora do imóvel usado como residência familiar (AREsp 1.605.913 e REsp 1.873.594). "Em caso de caução, a proteção se estende ao imóvel registrado em nome da sociedade empresária quando utilizado para moradia de sócio e de sua família", afirmou.

Em seu voto, o relator destacou que a jurisprudência do STJ se firmou no sentido de que a exceção prevista no artigo 3º, VII, da Lei 8.009/1990 – a qual admite a penhora do imóvel do fiador de locação – não se aplica à hipótese de caução nesse tipo de contrato.

Proteção se estende a imóvel de empresa

O caso analisado, observou Cueva, apresenta a peculiaridade de que o imóvel pertence a uma sociedade empresária e é utilizado para a moradia de um dos sócios e de sua família. Além disso, o bem foi ofertado em garantia no contrato de locação de outra empresa, que tem sua esposa como sócia administradora.

Para o ministro, a finalidade do artigo 1º, caput, da Lei 8.009/1990 é proteger a residência do casal ou da entidade familiar diante de suas dívidas, garantindo o direito fundamental à moradia previsto nos artigos 1º, III, e 6º da Constituição Federal.

"O imóvel no qual reside o sócio não pode, em regra, ser objeto de penhora pelo simples fato de pertencer à pessoa jurídica, ainda mais quando se trata de sociedades empresárias de pequeno porte. Em tais situações, mesmo que no plano legal o patrimônio de um e outro sejam distintos – sócio e sociedade –, é comum que tais bens, no plano fático, sejam utilizados indistintamente pelos dois", explicou o relator.

Ao negar provimento ao recurso especial, o ministro enfatizou que, se a lei objetiva a ampla proteção ao direito de moradia, o fato de o imóvel ter sido objeto de caução não retira essa proteção somente porque pertence a uma sociedade empresária de pequeno porte.

quarta-feira, 15 de junho de 2022

A IMPENHORABILIDADE DO BEM DE FAMÍLIA NÃO PODE SER ALEGADA EM "AÇÃO ANULATÓRIA DA ARREMATAÇÃO"!

 


A impenhorabilidade do bem de família é exceção disposta na  Lei 8.009/90 . 

O art. 3º da referida lei preconiza os casos de exceção da impenhorabilidade do bem de família, ipsis litteris:

Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido:

I - em razão dos créditos de trabalhadores da própria residência e das respectivas contribuições previdenciárias;                       (Revogado pela Lei Complementar nº 150, de 2015)

II - pelo titular do crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, no limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo contrato;

III -- pelo credor de pensão alimentícia;

III – pelo credor da pensão alimentícia, resguardados os direitos, sobre o bem, do seu coproprietário que, com o devedor, integre união estável ou conjugal, observadas as hipóteses em que ambos responderão pela dívida;                  (Redação dada pela Lei nº 13.144 de 2015)

IV - para cobrança de impostos, predial ou territorial, taxas e contribuições devidas em função do imóvel familiar;

V - para execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar;

VI - por ter sido adquirido com produto de crime ou para execução de sentença penal condenatória a ressarcimento, indenização ou perdimento de bens.

VII - por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação.                     (Incluído pela Lei nº 8.245, de 1991)

VII - por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação; e                       (Redação dada pela Medida Provisória nº 871, de 2019)

VII - por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação.                     (Incluído pela Lei nº 8.245, de 1991)

VIII - para cobrança de crédito constituído pela Procuradoria-Geral Federal em decorrência de benefício previdenciário ou assistencial recebido indevidamente por dolo, fraude ou coação, inclusive por terceiro que sabia ou deveria saber da origem ilícita dos recursos.                       (Incluído pela Medida Provisória nº 871, de 2019)

Art. 4º Não se beneficiará do disposto nesta lei aquele que, sabendo-se insolvente, adquire de má-fé imóvel mais valioso para transferir a residência familiar, desfazendo-se ou não da moradia antiga.

QUAL O MOMENTO EM QUE POSSO OPOR A IMPENHORABILIDADE DO BEM DE FAMÍLIA?

A Lei é clara, conforme art. 3º, “a impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza”...

Portanto, em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de qualquer outra natureza.

O QUE É AÇÃO ANULATÓRIA DE ARREMATAÇÃO? 

Apesar da arrematação ser ato perfeito e acabado, pode emergir controvérsia acerca de eventual nulidade do leilão em desrespeito ao procedimento previsto nos arts. 879 a 903 do CPC/2015, ipsis litteris:

 

Art. 903. Qualquer que seja a modalidade de leilão, assinado o auto pelo juiz, pelo arrematante e pelo leiloeiro, a arrematação será considerada perfeita, acabada e irretratável, ainda que venham a ser julgados procedentes os embargos do executado ou a ação autônoma de que trata o § 4º deste artigo, assegurada a possibilidade de reparação pelos prejuízos sofridos.

§ 1º Ressalvadas outras situações previstas neste Código, a arrematação poderá, no entanto, ser:

I - invalidada, quando realizada por preço vil ou com outro vício;

II - considerada ineficaz, se não observado o disposto no art. 804;

III- resolvida, se não for pago o preço ou se não for prestada a caução.

§ 2º O juiz decidirá acerca das situações referidas no § 1º, se for provocado em até 10 (dez) dias após o aperfeiçoamento da arrematação.

§ 3º Passado o prazo previsto no § 2º sem que tenha havido alegação de qualquer das situações previstas no § 1º, será expedida a carta de arrematação e, conforme o caso, a ordem de entrega ou mandado de imissão na posse.

§ 4º Após a expedição da carta de arrematação ou da ordem de entrega, a invalidação da arrematação poderá ser pleiteada por ação autônoma, em cujo processo o arrematante figurará como litisconsorte necessário.

§ 5º O arrematante poderá desistir da arrematação, sendo-lhe imediatamente devolvido o depósito que tiver feito:

I - se provar, nos 10 (dez) dias seguintes, a existência de ônus real ou gravame não mencionado no edital;

II - se, antes de expedida a carta de arrematação ou a ordem de entrega, o executado alegar alguma das situações previstas no § 1º ;

III - uma vez citado para responder a ação autônoma de que trata o § 4º deste artigo, desde que apresente a desistência no prazo de que dispõe para responder a essa ação. (grifo nosso)

 

Se a arrematação não foi realizada por preço vil ou com outro vício, e se tiver sido pago o preço ou prestada a caução poderá ainda, ser considerada ineficaz, se não observado o disposto no art. 804 do CPC/2015, ipsis litteris: 


Art. 804. A alienação de bem gravado por penhor, hipoteca ou anticrese será ineficaz em relação ao credor pignoratício, hipotecário ou anticrético não intimado.

§ 1º A alienação de bem objeto de promessa de compra e venda ou de cessão registrada será ineficaz em relação ao promitente comprador ou ao cessionário não intimado.

§ 2º A alienação de bem sobre o qual tenha sido instituído direito de superfície, seja do solo, da plantação ou da construção, será ineficaz em relação ao concedente ou ao concessionário não intimado.

§ 3º A alienação de direito aquisitivo de bem objeto de promessa de venda, de promessa de cessão ou de alienação fiduciária será ineficaz em relação ao promitente vendedor, ao promitente cedente ou ao proprietário fiduciário não intimado.

§ 4º A alienação de imóvel sobre o qual tenha sido instituída enfiteuse, concessão de uso especial para fins de moradia ou concessão de direito real de uso será ineficaz em relação ao enfiteuta ou ao concessionário não intimado.

§ 5º A alienação de direitos do enfiteuta, do concessionário de direito real de uso ou do concessionário de uso especial para fins de moradia será ineficaz em relação ao proprietário do respectivo imóvel não intimado.

§ 6º A alienação de bem sobre o qual tenha sido instituído usufruto, uso ou habitação será ineficaz em relação ao titular desses direitos reais não intimado.

 

Portanto, a arrematação como ato perfeito e acabado só poderá ser revista em ação anulatória nos casos previstos acima.

A AÇÃO ANULATÓRIA DE ARREMATAÇÃO E A IMPENHORABILIDADE DO BEM DE FAMÍLIA

Apesar da ação anulatória de arrematação possuir os requisitos legais e taxativos para seu ajuizamento, passou-se a utilizá-la também para opor a impenhorabilidade do bem de família, nos casos em que não foi suscitada durante a execução, ou até mesmo por inconformismo da parte.

 

O tema chegou ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) que vem decidindo   “se o vício da penhora de bem de família, caso existente, não se originou da decisão de homologação da arrematação pelo Juízo, mas de hipotético vício pré-existente e gerado em anterior constrição do bem (arresto e penhora), contra a qual os devedores não se insurgiram durante todo o iter processual,  quando perfeita e acabada a arrematação do bem pelo credor, não caberá ação anulatória para sanar possível vício, que deveria ter sido impugnado durante o processo de execução”.

 

Neste sentido, in verbis:

 

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO ANULATÓRIA. BEM DE FAMÍLIA. COISA JULGADA. CARACTERIZAÇÃO. REEXAME DE MATÉRIA DE FATO. DECISÃO MANTIDA.

1. Opera-se a preclusão consumativa quanto à impenhorabilidade do bem de família quando houver decisão anterior acerca do tema, mesmo se tratando de matéria de ordem pública. Precedentes.

2. O recurso especial não comporta exame de questões que impliquem revolvimento do contexto fático-probatório dos autos, a teor do que dispõe a Súmula n. 7 do STJ.

3. No caso dos autos, não é possível rever a conclusão do acórdão de que houve pronunciamento judicial definitivo, rejeitando a caracterização do bem de família, pois seria necessário reexaminar provas.

4. "A impenhorabilidade do bem-de-família não pode ser argüida, em ação anulatória da arrematação, após o encerramento da execução" (AR n. 4.525/SP, Relatora Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 13/12/2017, DJe 18/12/2017).

5. Agravo interno a que se nega provimento.

(AgInt no AREsp n. 1.227.203/SP, relator Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, julgado em 13/12/2018, DJe de 19/12/2018.) (grifo nosso)

 


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