Direitos Humanos – Human Rights
2ª Edição 2018
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O Tribunal Penal
Internacional e o conflito Israel-Palestino
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Preliminarmente, cumpre informar que o Tribunal Penal Internacional
(TPI) também conhecido como Corte Penal Internacional e mais comumente
chamado de Corte ou Tribunal de Haia foi criado e estabelecido em 17/07/1998.
As bases foram estabelecidas a partir de julho de 1994 pela Comissão
de Direito Internacional, órgão da Organização das Nações Unidas (ONU)
composto por um corpo jurídico especializado cuja tarefa é preparar projetos
e convenções sobre temas que ainda não tenham sido regulamentados pela
legislação internacional, e codificar as regras do Direito Internacional nos
campos onde já existe uma prática do Estado.
Na oportunidade, 122 Estados assinaram o tratado, dentre eles o Brasil
que só passou a ser signatário em 2002, quando o Congresso Nacional aprovou o
texto em junho de 2002 e o Presidente Fernando Henrique Cardoso através do
Decreto Lei 4.388/02 promulgou em seguida em 25 de setembro do mesmo ano.
Uma importante observação é que até o momento 122 nações aderiram e
ratificaram o Estatuto, e, alguns que haviam assinado não ratificaram com a
China, a Rússia e os EUA.
Logo no final da sua presidência Bill Clinton assinou o tratado, mas
ao ser eleito presidente, George W. Bush retirou a assinatura, e,
curiosamente começou a trabalhar contra o tratado, assinando tratados
bilaterais com outros Estados que se comprometem a não enviar cidadãos
americanos para serem julgados pelo TPI.
Uma outra observação pessoal é que o TPI foi estabelecido pelo
Estatuto de Roma mas criado por um órgão da ONU conforme dito alhures. E a
sede principal da ONU até hoje é em Nova York, EUA, um prédio de 39 andares
que teve a participação fundamental do Arquiteto brasileiro Oscar Niemeyer.
O Estatuto de Roma possui 128 artigos, dentre os quais tentaremos
utilizar sua maior parte no enfrentamento da problemática.
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PRINCÍPIO
DA COMPLEMENTARIEDADE: O Tribunal será uma instituição permanente,
com jurisdição sobre as pessoas responsáveis pelos crimes de maior gravidade
com alcance internacional, de acordo com o presente Estatuto, e será
complementar às jurisdições penais nacionais;
REGIME
JURÍDICO DO TRIBUNAL: O Tribunal tem personalidade jurídica
internacional. Possui, igualmente, a capacidade jurídica necessária ao
desempenho das suas funções e à prossecução dos seus objetivos;
PODERES DO
TRIBUNAL: O Tribunal pode exercer os seus poderes e funções nos termos do
presente Estatuto, no território de qualquer Estado Parte e, por acordo
especial, no território de qualquer outro Estado;
JURISDIÇÃO: Para aceitar a
jurisdição do TPI os Estados possuem dois caminhos: O da assinatura com a
ratificação do tratado tornando-se Estado-parte ou através de uma declaração Ad Hoc de aceitação do Tribunal que
pode ser solicitada pelo Ministro da Justiça ou de Negócios Estrangeiros em exercício;
CRIMES DE
COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL:
·
Crime de Genocídio - praticado com intenção de
destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso;
·
Crime de Guerra – Violações graves às Convenções
de Genebra;
·
Crimes de Agressão - Agressão é
quando um Estado usa da força contra a soberania de outro, sem que sua
atitude seja consistente com as permissões da boa convivência Internacional. O
Crime de agressão chegou a um consenso em 11 de Junho de 2010 sobre os seus
elementos constitutivos, escolhendo que o Conselho de Segurança da ONU é quem
inicialmente irá decidir se a atitude do estado em atentar contra outro é um
crime de agressão, ou seja, o individuo que deu causa após a deliberação do
Conselho de Segurança, será remetido ao Tribunal Penal Internacional;
·
Crimes Contra a Humanidade - qualquer um dos atos
seguintes, quando cometido no quadro de um ataque, generalizado ou
sistemático, contra qualquer população civil, havendo conhecimento desse
ataque: a) Homicídio; b)
Extermínio; c) Escravidão; d)
Deportação ou transferência forçada de uma população; e) Prisão ou outra
forma de privação da liberdade física grave, em violação das normas
fundamentais de direito internacional; f) Tortura; g) Agressão sexual,
escravatura sexual, prostituição forçada, gravidez forçada, esterilização
forçada ou qualquer outra forma de violência no campo sexual de gravidade
comparável; h) Perseguição de um grupo ou coletividade que possa ser
identificado, por motivos políticos, raciais, nacionais, étnicos, culturais,
religiosos ou de gênero, tal como definido no parágrafo 3º, ou em função de
outros critérios universalmente reconhecidos como inaceitáveis no direito
internacional, relacionados com qualquer ato referido neste parágrafo ou com
qualquer crime da competência do Tribunal; i) Desaparecimento forçado de
pessoas;j) Crime de apartheid; k) Outros atos desumanos de caráter
semelhante, que causem intencionalmente grande sofrimento, ou afetem
gravemente a integridade física ou a saúde física ou mental.
EXERCÍCIO
DA JURISDIÇÃO:
O
Tribunal pode exercer a sua jurisdição em relação a qualquer um dos crimes elencados
acima, de acordo com o disposto no presente Estatuto, se:
a)
Um Estado Parte denunciar ao
Procurador, nos termos do artigo 14, qualquer situação em que haja indícios
de ter ocorrido a prática de um ou vários desses crimes;
b)
O Conselho de Segurança, agindo nos
termos do Capítulo VII da Carta das Nações Unidas, denunciar ao Procurador
qualquer situação em que haja indícios de ter ocorrido a prática de um ou
vários desses crimes; ou
c) O Procurador tiver dado início a um inquérito sobre tal crime, nos
termos do disposto no artigo 15.
QUANTO A
ADMISSIBILIDADE: As questões relativas à admissibilidade bem como a impugnação de sua
jurisdição ou admissibilidade do caso encontram-se nos artigos 16, 17 e 18 do
Estatuto e aconselho ler bem atentamente.
OUTROS
ASPECTOS: Outras considerações relevantes encontram-se no Estatuto, e, uma lida
já esclarece muita coisa. Por hora, as explicações acima já ajudam a entender
o caso da Palestina em relação ao TPI.
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CASO DA
PALESTINA: Depois da operação Israelense “Chumbo endurecido”, em Gaza, em Dezembro
de 2008 e Janeiro de 2009, o Ministro Palestino da Justiça Ali Khashan entregou pessoalmente em Haia,
em 22 de janeiro de 2009 uma declaração de aceitação da jurisdição do TPI
para processar e julgar crimes cometidos na Palestina desde 1 de julho de
2002, conforme entendimento do artigo 12.3 do Estatuto de Roma.
Mas como
pode a Palestina fazer parte do TPI se ela não possui território?
Em consonância com o artigo 12.3 do Estatuto de
Roma, segundo o qual a jurisdição do TPI pode ser estabelecida quando um
Estado que aceitou a sua jurisdição dispõe, quer de um título territorial,
quer de um título pessoal.
O Tribunal poderá também exercer a sua jurisdição
relativamente a crimes ou pessoas sob a jurisdição respectiva de Estados que
não aceitaram nem ratificaram o seu Estatuto. Como é o caso de Israel, que
assinou o Estatuto de Roma em 31 de dezembro de 2000, em 28 de agosto de 2002
anunciou não querer mais fazer parte.
Qualquer seletividade de excluir o TPI não
tiraria a competência para investigar, processar
e julgar todos os responsáveis por fatos incriminados pelo seu Estatuto
(princípio da personalidade ativa) e cometidos no território palestino
(princípio da territorialidade).
No caso em tela, tanto cidadãos Israelenses como
Palestinos, ou até de outras nacionalidades poderão ser penalizados pelo TPI.
Isto mostra o quanto a arma da justiça penal internacional pode ser de dois
gumes.
Em outro giro, a maioria dos Estados hoje
reconhecem a Palestina como território, principalmente em Gaza.
É neste sentido que decidiu o Tribunal de Justiça da Corte Européia (TJCE) em acórdão
proferido em 25 de fevereiro de 2010, no caso Firma Brita GmbH c.
Hauptzollamt Hamburg-Hafen (C-386/08), no qual afirmou que as autoridades aduaneiras
palestinas são as únicas a poderem exercer sobre as mercadorias produzidas no
seu território, in verbis:
Processo
C-386/08: Acórdão do Tribunal de Justiça (Quarta Secção) de 25 de Fevereiro
de 2010 (pedido de decisão prejudicial do Finanzgericht Hamburg — Alemanha) —
Firma Brita GmbH/Hauptzollamt Hamburg-Hafen (Acordo de Associação CE-Israel —
Âmbito de aplicação territorial — Acordo de Associação CE-OLP — Recusa de
aplicação de um regime pautal preferencial concedido em favor dos produtos
originários de Israel aos produtos originários da Cisjordânia — Dúvidas
quanto à origem dos produtos — Exportador autorizado — Controle a posteriori
das declarações nas faturas pelas autoridades aduaneiras do Estado de
importação — Convenção de Viena sobre o direito dos tratados — Princípio do
efeito relativo dos tratados)
Após a entrega da declaração de aceitação, a
Palestina consolidou a sua entrada non TPI pela aceitação e ratificação do
tratado em janeiro de 2015.
Esta adesão, fortemente criticada pelas
autoridades Israelenses como um ato hostil, não equivale a um recurso por uma
declaração ad hoc. Ratione materiae, ela abre o caminho para
o encaminhamento ao TPI da “situação” palestina na sua totalidade, sem a
possibilidade de restringi-la a fatos específicos.
Ratione temporis, ela torna o TPI
competente a partir de 1 abril de 2015, ou seja, 60 dias após a ratificação.
Com esta adesão, o objetivo declarado dos Palestinos
é fazer julgar os líderes israelenses pelos seus crimes internacionais,
ligados ou não com a ocupação, pelo TPI, ou seja, por um tribunal
independente e permanente, que tem jurisdição sobre os indivíduos (e não os Estados)
autores dos crimes mais graves que afetam a comunidade internacional como um todo
(genocídios, crimes contra a humanidade, crimes de guerra e agressões).
Desde a declaração ad hoc de 2009 o Procurador do TPI vem trabalhando no assunto.
Mas não é fácil, pois o caminho seguido para recorrer ao TPI vai desde a
abertura de um exame preliminar ao inquérito, e depois ao julgamento, o que
na maioria das vezes é longo e complexo.
Pelo princípio da complementariedade, pedra
angular do TPI conforme deito alhures, o Estado tem a responsabilidade
primária do julgamento dos autores de crimes internacionais.
O TPI poderá declarar-se competente somente se o Estado
em causa não tem vontade ou capacidade para realizar investigações ou
processos, bem como se encerrou um processo por falta de vontade ou
capacidade de processar.
Para identificar uma possível falta de capacidade
do Estado num caso, o TPI poderá também levar em conta outros fatores, muitas
vezes ligados ao caos em situações de pós conflito.
No caso da Palestina, pra distinguir as situações
que justifiquem uma investigação das demais o Procurador elaborou um processo
de “filtragem” dividido em quatro fases.
Depois de receber a primeira declaração de
aceitação da jurisdição do TPI em 2009, o Procurador teve de verificar a
existência de processos penais nacionais, tanto na Palestina como em Israel.
No lado palestino, pode constatar a intenção da
Palestina de realizar investigações no seu território; do lado israelense,
recebeu um relatório segundo o qual processos haviam sido iniciados.
Esta abordagem demonstrou que o Procurador
considerou competente o TPI neste caso.
Paradoxalmente, no entanto, foi à conclusão
oposta que chegou no comunicado de encerramento do exame preliminar da
situação na Palestina[1].
A Procuradora Fatou Bensouda, que substituiu o
procurador em 15 de junho de 2012, abriu, em 16 de janeiro de 2015, um exame
preliminar da situação na Palestina com base na segunda declaração de 2014[2].
Atualmente, a situação palestina encontra-se na
fase de avaliação da competência do TPI (fase 2), isto é, numa fase anterior
à análise da admissibilidade e complementaridade (fase 3).
A esta situação adiciona-se às outras para as
quais o Gabinete da Procuradora está realizando exames preliminares:
Afeganistão, Burundi,
Colômbia, Gabão, Guiné, Iraque/Reino Unido, Navios
de Cômoros, Grécia e Camboja, Nigéria, Ucrânia.
Diante da atual situação a procuradora tem
recebido duras críticas por ter violado três princípios básicos que norteiam
o exame preliminar: a Independência, a Imparcialidade e a Objetividade.
O princípio da Independência a independência implica
que o Procurador atue sem levar em conta influências exteriores.
A este respeito, várias críticas visaram a
política penal do Procurador, cuja suposta parcialidade teria permitido abrir
exames preliminares apenas no caso de Estados fracos ou, pelo menos, de
situações que não
envolvem nenhum Estado poderoso[3].
Isto mostra o quanto a Corte depende
substancialmente da seleção feita pelo Procurador das investigações e dos
processos.
Como se não bastasse, depois da chegada da nova
Procuradora, Fatou Bensouda, dia 15 de junho de 2012, a situação da Palestina
desapareceu misteriosamente da lista dos exames preliminares encerrados no
sítio da internet do TPI.
É como se a Procuradora tivesse apagado qualquer referência
ao anterior encerramento realizado pelo seu antecessor com base na declaração
de 2009, mas não formalizado num relatório público.
Através de um comunicado de imprensa do TPI, ela
anunciou, em 16 de janeiro de 2015, que abria um exame preliminar sobre a
situação da Palestina com base na segunda declaração de 2014[4].
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Diante dos dados de que o Procurador anterior do
TPI levou mais de três anos para concluir que não era capaz de decidir sobre
a qualidade de Estado da Palestina, é possível prever que a atual Procuradora
não chegará a uma decisão acerca da questão da oportunidade de abrir um
inquérito antes de vários anos, ou até que não tomará qualquer decisão a este
respeito, deixando o exame preliminar prolongar-se indefinidamente.
Há de ressaltar também que com a adesão da
Palestina ao TPI não só Israel poderá ser penalizado mas também a própria
Palestina e outros países bem como seus cidadãos responsáveis.
Infelizmente a cultura do prolongamento de
decisões desfavoráveis a pessoas e países de alta influência não é uma
fraqueza apenas do Brasil, mas do Planeta Terra!
Principais fontes do texto:
MAIA, Catherine. PALESTINA E TRIBUNAL PENAL
INTERNACIONAL: RETORNO A UMA SAGA JUDICIAL. Revista Instituto Brasileiro de
Direitos Humanos. Disponível em: revista.ibdh.org.br/index.php/ibdh/article/download/345/330/
GONZÁLEZ, Paulina Veja. O PAPEL DAS VÍTIMAS NOS
PROCEDIMENTOS PERANTE O TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL: SEUS DIREITOS E AS
PRIMEIRAS DECISÕES DO TRIBUNAL. Revista Internacional de Direitos Humanos.
Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1806-64452006000200003.
International Criminal Court. Disponível em: https://www.icc-cpi.int/
Estatuto de Roma
Convenção de Genebra
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[1]
TPI, Gabinete do Procurador, “Situation in Palestine”, comunicado de imprensa
de 3 de abril de 2012.
[2]
TPI, Gabinete do Procurador, “Situation in Palestine”, comunicado de imprensa
de 16 de janeiro de 2015.
[3] Ver
W.A. SCHABAS, “The Banality of International Justice”, Journal of International
Criminal Justice, vol. 11, 2013, pp. 545-551.
[4]
TPI, Gabinete do Procurador, “The Prosecutor of the International Criminal
Court, Fatou Bensouda, opens a preliminary examination of the situation in
Palestine”, comunicado de imprensa de 16 de janeiro de 2015. A este respeito, a
nova Procuradora afirmou claramente que a Resolução 67/19 da Assembleia Geral,
pela qual a Palestina aderiu, em 2012, ao estatuto de Estado não observador das
Nações Unidas, “does not cure the legal invalidity of the 2009 declaration” (ICC,
Gabinete do Procurador, Report on the Preliminary Examination Activities of the
Office of the Prosecutor in 2013, § 238).
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