sexta-feira, 13 de outubro de 2017

DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA - POLÍTICA NACIONAL DE ASSISTÊNCIA AOS PACIENTES COM TRANSTORNOS MENTAIS- NECESSIDADE DE INTERVENÇÃO DO JUDICIÁRIO PARA A GARANTIA DO NÚCLEO ESSENCIAL DE DIREITOS DE PESSOAS VULNERÁVEIS – REPASSE DA UNIÃO COMPROVADO - FIXAÇÃO DE PRAZO PARA A IMPLEMENTAÇÃO DE MEDIDAS

DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA - POLÍTICA NACIONAL DE ASSISTÊNCIA AOS PACIENTES COM TRANSTORNOS MENTAIS- NECESSIDADE DE INTERVENÇÃO DO JUDICIÁRIO PARA A GARANTIA DO NÚCLEO ESSENCIAL DE DIREITOS DE PESSOAS VULNERÁVEIS – REPASSE DA UNIÃO COMPROVADO - FIXAÇÃO DE PRAZO PARA A IMPLEMENTAÇÃO DE MEDIDAS

Esse caso que estamos trazendo é interessantíssimo para quem estuda para concursos como Defensoria Pública, Procuradorias, AGU, Magistratura dentre outros.

No caso em tela trata-se de uma Ação Civil Pública, com requerimento de medida liminar, ajuizada pela União, em 9.9.2009, contra o Estado do Pará e a Fundação Pública Estadual Hospital de Clínicas Gaspar Viana – FPEHCGV, em razão de alegada suspensão do fornecimento de medicamentos a portadores de transtornos mentais e de falta de planejamento e gestão eficiente em respeito à Política Nacional de Medicamentos.

Trata-se de uma Ação civil Pública (ACP) com fulcro na Lei 7.347/85 onde a UNIÃO possui a Legitimidade conforme artigo 5º, inciso III, ipsis litteris:

Art. 5º Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar:
...
III - a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios; (Incluído pela Lei nº 11.448, de 2007).

Como a ACP tem a UNIÃO como Requerente e o Estado do Pará como Requerido, ela tem que ser ajuizada como uma Ação Civil Originária (ACO) de competência do Supremo Tribunal Federal (STF) com fulcro no artigo 102, I, “f” da Constituição Federativa de 1988, verbis:

Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:

I - processar e julgar, originariamente:
...
f) as causas e os conflitos entre a União e os Estados, a União e o Distrito Federal, ou entre uns e outros, inclusive as respectivas entidades da administração indireta; (grifo nosso).

Equivocadamente, a UNIÃO ajuizou inicialmente a presente ação na Justiça Federal do Pará, sendo distribuído para o juízo da 2ª Vara Federal da Seção Judiciária do Pará.

A União assevera que a presente ação foi “proposta em virtude da Fundação Hospital de Clínicas Gaspar Vianna – FHCGV ter suspendido o fornecimento de remédios aos pacientes portadores de esquizofrenia, que até então eram beneficiados pelo programa de medicamentos especiais de uso contínuo de caráter excepcional”.

Narrou ter tomado conhecimento dessa situação por representantes do Movimento de Luta Antimanicomial do Estado do Pará e de familiares de usuários dos serviços da Fundação Hospital de Clínicas Gaspar Vianna – FHCGV, os quais teriam noticiado ter deixado “de fornecer, desde o dia 13 de agosto de 2009, aproximadamente, alguns remédios como o ZYPREXA 5mg, o LEPONEX E O ZOPOZENIL, indispensáveis ao tratamento dos pacientes portadores de transtornos mentais, bem como outros medicamentos como o FERNERGAN, CINETOL e LEVOSINE 5mg, responsáveis por dar suporte aos antipsicóticos.

Afirmou ser “o problema relatado no Hospital de Clínicas extremamente grave, porque os doentes em questão estariam em tratamento há mais de (10) dez anos, ou seja, dependeriam – por tempo indeterminado – exclusivamente do fornecimento dessas substâncias pela referida instituição e, pior, não possuiriam renda econômica para arcar com o tratamento”.

Noticiou, ainda, ter constatado, pela Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa Nacional de Auditoria do Sistema Único de Saúde - SUS, “deficiências no atendimento aos pacientes com transtornos mentais, desde aquelas referentes à estrutura física do hospital, como a improvisação de sala de observação, falta de cadeiras para os acompanhantes dos pacientes e o mínimo de dignidade no tratamento”.

Sustentou, ainda, haver “falta de comprovação de planejamento e gestão eficiente (art. 37, da Constituição Federal), especialmente de respeito à Política Nacional de Medicamentos, aprovada pela Portaria n. 3.916, de 30 de outubro de 1998, e à Política Nacional de Saúde Mental, apoiada na Lei 10.216/2002”.

Aduziu a legitimidade passiva do Estado do Pará, pela competência suplementar dos Estados para formular, executar, acompanhar e avaliar a
Política de insumos e equipamentos para a saúde, como disposto no art.17, inc. VIII, da Lei n. 8.080/1990, que regulamenta o Sistema Único de
Saúde – SUS e da Fundação Pública Estadual Hospital de Clínicas Gaspar Vianna, responsável pela prestação dos serviços na área de saúde à população (art. 5º do Decreto n. 4.382/2000).

Pediu a confirmação da medida liminar e a condenação dos Réus às seguintes obrigações de fazer:

a) que seja constituído o Programa ou Plano Estadual de Saúde Mental, contemplando as estatísticas para programação, divisão geográfica para organização do modelo assistencial, fluxos formalizados de referenciamento, garantia de acesso da população usuária, consoante à Política Nacional de Saúde Mental;

b) que seja elaborado anualmente o Programa de Reestruturação da Assistência Hospitalar Psiquiátrica, em cumprimento ao contido na PT/GM n. 52/ de 20/01/2004;

c) que seja estabelecido um Plano Estratégico para Expansão dos Centros de Atenção Psicosocial para Infância e Adolescência, conforme estabelece a PT/GM n. 1947, de 2003;

d) que sejam pactuadas anualmente metas para consulta/habitante e internações/habitante;

e) que o Estado do Pará e a Fundação Pública Estadual Hospital de Clínicas Gaspar Viana – FPEHCGV abasteçam seus estoques e forneçam, imediatamente e de forma ininterrupta, todos os remédios para tratamento da saúde mental, conforme parâmetros do Ministério da Saúde e/ou da Secretaria de Saúde do Estado – SESPA, especialmente os referentes a esquizofrenia, psicofármacos e antipsicóticos, tais como: o ZYPREXA, o LEPONEX, de dispensação excepcional (…) e o ZOPOZENIL, FERNEGAN, CINETOL e LEVOSINE (…);

f) que o Estado do Pará e a Função Pública Estadual Hospital de Clínicas Gaspar Vianna – FPEHCGV provisionem as unidades com medicamentos em quantidades compatíveis com as necessidades e em conformidade com estudos preliminares, produzidos pela Coordenação de Assistência Farmacêutica, conjuntamente com a Coordenação de Saúde Mental e de acordo com planejamento de aquisição de medicamentos em prol do Programa de Aquisição de Medicamentos para a Saúde Mental e Acompanhamento de Saúde Mental/CAPS;

g) que a reserva técnica de medicamentos para Programa de Aquisição de Medicamentos para a Saúde Mental e Acompanhamento de Saúde Mental/CAPS, leve em consideração o crescimento da demanda, suas variações e estudos complementares e esteja devidamente prevista no planejamento referido no item ‘h’ acima, bem como que seja monitorada mensalmente pela Coordenação de Assistência Farmacêutica, conjuntamente com a Coordenação de Saúde Mental, através de relatórios dos setores competentes.

O juízo da 2ª Vara Federal da Seção Judiciária do Pará determinou a manifestação dos Réus em 9.9.2009.


A Fundação Pública Estadual Hospital de Clínicas Gaspar Vianna e o Estado do Pará apresentaram manifestação em 16 e 18.9.2009, respectivamente.


Em 26.10.2009, com fundamento no art. 102, inc. I, alínea f, da Constituição da República, o juízo da 2ª Vara Federal da Seção Judiciária do Pará declinou de sua competência para conhecer da ação.


A ACP sendo originária do STF foi redistribuída e a relatora passou a ser a ilustríssima Ministra Carmem Lúcia.

Em 5.2.2010, a eminente relatora deferiu, em parte, a tutela antecipada para determinar apenas que o Estado do Pará e a Fundação Pública Estadual Hospital de Clínicas Gaspar Vianna fornecessem, imediatamente, todos os remédios para tratamento da saúde mental, em especial os referentes à esquizofrenia, psicofármacos e antipsicótios referidos na petição inicial.

Os Requeridos pugnaram pela apresentação de provas e a Requerente não.

Em 4.10.2010, a douta Ministra indeferiu a produção de prova testemunhal pleiteada pelo Estado do Pará e delegou ao juízo Federal da Seção Judiciária do Pará o exercício de função instrutória quanto à instrução da prova pericial requerida.

Neste ponto cumpre informar que os atos são delegados pelo STF ao Juízo Federal por “Carta de Ordem” (carta expedida por juiz de hierarquia superior para que outro, de hierarquia inferior, execute algum ato necessário e determinado) conforme art. 236 e 237 do CPC, ipsis litteris:

Art. 236.  Os atos processuais serão cumpridos por ordem judicial.
§ 1o Será expedida carta para a prática de atos fora dos limites territoriais do tribunal, da comarca, da seção ou da subseção judiciárias, ressalvadas as hipóteses previstas em lei.
§ 2o O tribunal poderá expedir carta para juízo a ele vinculado, se o ato houver de se realizar fora dos limites territoriais do local de sua sede.
...
Art. 237.  Será expedida carta:
I - de ordem, pelo tribunal, na hipótese do § 2o do art. 236; (grifo nosso)

Em 24.4.2012, o juízo da 1ª Vara Federal da Seção Judiciária do Pará devolveu a carta de ordem cumprida e informou ter sido “apresentado laudo pericial em 18.8.2011, tendo a União solicitado laudo pericial complementar em 14.11.2011, o qual foi apresentado pelo perito em 15.2.2012”.

A União contestou a perícia realizada, afirmando ter o perito deixado de esclarecer pontos cruciais, pelo que pede nova perícia nos termos do art. 437 do Código de Processo Civil de 1973.

A I. Ministra indeferiu o pedido de nova perícia e declarou o processo saneado.

Com a posse da e. Ministra Carmem Lúcia para a presidência do STF a relatoria foi redistribuída para o Ministro Ricardo Lewandowski. Em 16/3/2017 houve a seguinte decisão de lavra do e. Ministro Lewandowski: "[...] torno definitivos os efeitos da liminar deferida e julgo procedente o pedido para o fim de determinar que os requeridos observem, no prazo máximo de 90 (noventa) dias, as seguintes obrigações de fazer, sob pena de imposição de multa no valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais) pelo descumprimento de cada uma das ordens a seguir descritas: [...] Os requeridos deverão suportar os ônus da sucumbência, arcando com os honorários periciais e advocatícios, estes últimos correspondentes a 10% (dez por cento) do valor atribuído à causa [...] Intimem-se e publique-se."

Os Requeridos Agravaram Regimentalmente esta decisão que por unanimidade foi negado provimento em julgamento pelo Plenário na sessão virtual de 25 a 31.8.2017 e publicado neste último dia 15/09/2017, que foi assim ementado, verbis:

Ementa: DIREITO FUNDAMENTAL À SAUDE – PORTADORES DE TRANSTORNOS MENTAIS – DESATENDIMENTO DOS COMANDOS CONSTITUCIONAIS QUE TRATAM DIRETAMENTE DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA–DESCUMPRIMENTO DE ENCARGO POLÍTICO-JURÍDICO - COBRANÇA POR PARTE DA UNIÃO PARA QUE OS RÉUS CUMPRAM SUA PARCELA DE RESPONSABILIDADE NO ATENDIMENTO DA POLÍTICA NACIONAL DE ASSISTÊNCIA AOS PACIENTES COM TRANSTORNOS MENTAIS – NECESSIDADE DE INTERVENÇÃO DO JUDICIÁRIO PARA A GARANTIA DO NÚCLEO ESSENCIAL DE DIREITOS DE PESSOAS VULNERÁVEIS – REPASSE DA UNIÃO COMPROVADO -ACERVO PROBATÓRIO EXAMINADO EM PROFUNDIDADE - PROCEDÊNCIA DO PEDIDO COM RATIFICAÇÃO DE LIMINAR ANTERIORMENTE CONCEDIDA –FIXAÇÃO DE PRAZO PARA A IMPLEMENTAÇÃO DE MEDIDAS E MULTA EM PATAMAR RAZOÁVEL - AGRAVOS AOS QUAIS SE NEGA PROVIMENTO.
I - O direito fundamental à saúde dos portadores de transtornos mentais encontra arrimo não somente nos arts. 5º, 6º, 196 e 197 da Carta da República, como também nos arts. 2º, § 1º, 6º, I, d, da Lei 8.080/1990, na
Portaria 3.916/1998, do Ministério da Saúde, além dos artigos 2º, 3º e 12,
da Lei 10.216/2001, que, conforme visto, redireciona o modelo assistencial em saúde mental no Brasil.
II – A linha de argumentação desenvolvida pelo Estado requerido quanto à insuficiência orçamentária é inconsistente, porquanto comprovado que os recursos existem e que foram repassados pela União, não se podendo opor escusas relacionadas com a deficiência de caixa.
III – Comprovação nos autos de que não se assegurou o direito à saúde dos portadores de transtornos mentais no Estado do Pará, seja da perspectiva do fornecimento de medicamentos essenciais ao seu
tratamento, seja no que diz respeito à estrutura física e organizacional necessárias à consecução dos objetivos previstos pelo legislador constitucional e também pelo ordinário ao editar a Lei 10.216/2001.
IV - A hipótese dos autos não cuida de implementação direta de políticas públicas, mas sim de cobrança realizada diretamente pela União, com fundamento na competência constitucional concorrente, para que os requeridos cumpram a sua parcela de responsabilidade no atendimento da política nacional de assistência aos pacientes com transtornos mentais.
V - A omissão dos réus em oferecer condições de saúde digna aos portadores de transtornos mentais exigiu a intervenção do Judiciário, tal como solicitado pela União para que, pelo menos, o núcleo essencial da dignidade da pessoa humana lhes seja assegurada, não havendo margem para qualquer discricionariedade por parte das autoridades locais no tocante a esse tema, ainda mais quando demonstrados os repasses do executivo federal para a concessão desse mister.
VI – Os usuários dos serviços de saúde, no caso, possuem direito de exigir de um, de alguns ou de todos os entes estatais o cumprimento da referida obrigação e, na hipótese, a União demonstrou que fez a sua parte, com o que se credenciou a cobrar dos requeridos a observância de suas obrigações.
VII - Os argumentos lançados nos agravos não são inéditos e já foram devidamente sopesados. A própria dedução de pedido alternativo de simples dilação de prazo para o adimplemento das medidas impostas indica que o recurso apresentado não deve prosperar. Ademais, ficaram bem divisadas as esferas de responsabilidade da União e da parte ré no atendimento aos portadores de transtornos mentais. Análise exaustiva do
acervo probatório, tanto da perspectiva da falta de medicamentos, quanto no que se refere à instalações físicas, passando, ainda, pela reiteração de comportamento omisso por parte dos réus em oferecer condições de saúde digna aos portadores de transtornos mentais.
VIII - Assim, contrariamente ao sustentado pelas agravantes, in casu, o Judiciário está plenamente legitimado a agir, sobretudo em benefício dos portadores de transtornos mentais, pessoas vulneráveis que necessitam do amparo do Estado. Prazo razoável fixado para a adoção de medidas de extrema importância para o atendimento dos portadores de deficiência mental e a multa bem aplicada em patamar proporcional para estimular o cumprimento da obrigação, sem prejudicar a prestação pela parte ré de outras políticas públicas.
IX - Agravos regimentais a que se nega provimento.

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