DIGNIDADE DA
PESSOA HUMANA - POLÍTICA NACIONAL DE ASSISTÊNCIA AOS PACIENTES COM
TRANSTORNOS MENTAIS- NECESSIDADE DE INTERVENÇÃO DO JUDICIÁRIO PARA A GARANTIA
DO NÚCLEO ESSENCIAL DE DIREITOS DE PESSOAS VULNERÁVEIS – REPASSE DA UNIÃO
COMPROVADO - FIXAÇÃO DE PRAZO PARA A IMPLEMENTAÇÃO DE MEDIDAS
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Esse caso que
estamos trazendo é interessantíssimo para quem estuda para concursos como
Defensoria Pública, Procuradorias, AGU, Magistratura dentre outros.
No caso em tela trata-se
de uma Ação Civil Pública, com
requerimento de medida liminar, ajuizada
pela União, em 9.9.2009, contra o
Estado do Pará e a Fundação Pública Estadual Hospital de Clínicas Gaspar
Viana – FPEHCGV, em razão de alegada
suspensão do fornecimento de medicamentos a portadores de transtornos mentais
e de falta de planejamento e gestão eficiente em respeito à Política Nacional
de Medicamentos.
Trata-se de uma Ação
civil Pública (ACP) com fulcro na Lei 7.347/85 onde a UNIÃO possui a
Legitimidade conforme artigo 5º, inciso III, ipsis litteris:
Art. 5º Têm legitimidade para propor a ação principal
e a ação cautelar:
...
III - a União, os Estados, o Distrito Federal e os
Municípios; (Incluído pela Lei nº 11.448, de 2007).
Como a ACP tem a
UNIÃO como Requerente e o Estado do Pará como Requerido, ela tem que ser
ajuizada como uma Ação Civil Originária (ACO) de competência do Supremo
Tribunal Federal (STF) com fulcro no artigo 102, I, “f” da Constituição
Federativa de 1988, verbis:
Art. 102. Compete
ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição,
cabendo-lhe:
I - processar
e julgar, originariamente:
...
f) as causas
e os conflitos entre a União e os Estados, a União e o Distrito Federal,
ou entre uns e outros, inclusive as respectivas entidades da administração
indireta; (grifo nosso).
Equivocadamente, a
UNIÃO ajuizou inicialmente a presente ação na Justiça Federal do Pará, sendo
distribuído para o juízo da 2ª Vara Federal da Seção Judiciária do Pará.
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A União assevera
que a presente ação foi “proposta em virtude da Fundação Hospital de Clínicas
Gaspar Vianna – FHCGV ter suspendido o fornecimento de remédios aos pacientes
portadores de esquizofrenia, que até então eram beneficiados pelo programa de
medicamentos especiais de uso contínuo de caráter excepcional”.
Narrou ter tomado
conhecimento dessa situação por representantes do Movimento de Luta
Antimanicomial do Estado do Pará e de familiares de usuários dos serviços da
Fundação Hospital de Clínicas Gaspar Vianna – FHCGV, os quais teriam
noticiado ter deixado “de fornecer, desde o dia 13 de agosto de 2009,
aproximadamente, alguns remédios como o ZYPREXA 5mg, o LEPONEX E O ZOPOZENIL,
indispensáveis ao tratamento dos pacientes portadores de transtornos mentais,
bem como outros medicamentos como o FERNERGAN, CINETOL e LEVOSINE 5mg, responsáveis
por dar suporte aos antipsicóticos.
Afirmou ser “o
problema relatado no Hospital de Clínicas extremamente grave, porque os
doentes em questão estariam em tratamento há mais de (10) dez anos, ou seja,
dependeriam – por tempo indeterminado – exclusivamente do fornecimento dessas
substâncias pela referida instituição e, pior, não possuiriam renda econômica
para arcar com o tratamento”.
Noticiou, ainda,
ter constatado, pela Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa
Nacional de Auditoria do Sistema Único de Saúde - SUS, “deficiências no
atendimento aos pacientes com transtornos mentais, desde aquelas referentes à
estrutura física do hospital, como a improvisação de sala de observação,
falta de cadeiras para os acompanhantes dos pacientes e o mínimo de dignidade
no tratamento”.
Sustentou, ainda,
haver “falta de comprovação de planejamento e gestão eficiente (art. 37, da
Constituição Federal), especialmente de respeito à Política Nacional de
Medicamentos, aprovada pela Portaria n. 3.916, de 30 de outubro de 1998, e à
Política Nacional de Saúde Mental, apoiada na Lei 10.216/2002”.
Aduziu a
legitimidade passiva do Estado do Pará, pela competência suplementar dos
Estados para formular, executar, acompanhar e avaliar a
Política de
insumos e equipamentos para a saúde, como disposto no art.17, inc. VIII, da
Lei n. 8.080/1990, que regulamenta o Sistema Único de
Saúde – SUS e da
Fundação Pública Estadual Hospital de Clínicas Gaspar Vianna, responsável
pela prestação dos serviços na área de saúde à população (art. 5º do Decreto
n. 4.382/2000).
Pediu a
confirmação da medida liminar e a condenação dos Réus às seguintes obrigações
de fazer:
a) que seja
constituído o Programa ou Plano Estadual de Saúde Mental, contemplando as
estatísticas para programação, divisão geográfica para organização do modelo
assistencial, fluxos formalizados de referenciamento, garantia de acesso da
população usuária, consoante à Política Nacional de Saúde Mental;
b) que seja
elaborado anualmente o Programa de Reestruturação da Assistência Hospitalar
Psiquiátrica, em cumprimento ao contido na PT/GM n. 52/ de 20/01/2004;
c) que seja
estabelecido um Plano Estratégico para Expansão dos Centros de Atenção
Psicosocial para Infância e Adolescência, conforme estabelece a PT/GM n.
1947, de 2003;
d) que sejam
pactuadas anualmente metas para consulta/habitante e internações/habitante;
e) que o Estado do
Pará e a Fundação Pública Estadual Hospital de Clínicas Gaspar Viana –
FPEHCGV abasteçam seus estoques e forneçam, imediatamente e de forma
ininterrupta, todos os remédios para tratamento da saúde mental, conforme
parâmetros do Ministério da Saúde e/ou da Secretaria de Saúde do Estado –
SESPA, especialmente os referentes a esquizofrenia, psicofármacos e antipsicóticos,
tais como: o ZYPREXA, o LEPONEX, de dispensação excepcional (…) e o
ZOPOZENIL, FERNEGAN, CINETOL e LEVOSINE (…);
f) que o Estado do
Pará e a Função Pública Estadual Hospital de Clínicas Gaspar Vianna – FPEHCGV
provisionem as unidades com medicamentos em quantidades compatíveis com as
necessidades e em conformidade com estudos preliminares, produzidos pela Coordenação
de Assistência Farmacêutica, conjuntamente com a Coordenação de Saúde Mental
e de acordo com planejamento de aquisição de medicamentos em prol do Programa
de Aquisição de Medicamentos para a Saúde Mental e Acompanhamento de Saúde
Mental/CAPS;
g) que a reserva
técnica de medicamentos para Programa de Aquisição de Medicamentos para a
Saúde Mental e Acompanhamento de Saúde Mental/CAPS, leve em consideração o
crescimento da demanda, suas variações e estudos complementares e esteja devidamente
prevista no planejamento referido no item ‘h’ acima, bem como que seja
monitorada mensalmente pela Coordenação de Assistência Farmacêutica,
conjuntamente com a Coordenação de Saúde Mental, através de relatórios dos
setores competentes.
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O juízo da 2ª Vara
Federal da Seção Judiciária do Pará determinou a manifestação dos Réus em
9.9.2009.
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A Fundação Pública
Estadual Hospital de Clínicas Gaspar Vianna e o Estado do Pará apresentaram
manifestação em 16 e 18.9.2009, respectivamente.
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Em
26.10.2009, com fundamento no art. 102, inc. I, alínea f, da Constituição da
República, o juízo da 2ª Vara Federal da Seção Judiciária do Pará
declinou de sua competência para conhecer da ação.
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A ACP sendo originária do STF foi redistribuída e a
relatora passou a ser a ilustríssima Ministra Carmem Lúcia.
Em 5.2.2010, a
eminente relatora deferiu, em parte, a tutela antecipada para determinar
apenas que o Estado do Pará e a Fundação Pública Estadual Hospital de
Clínicas Gaspar Vianna fornecessem, imediatamente, todos os remédios para
tratamento da saúde mental, em especial os referentes à esquizofrenia,
psicofármacos e antipsicótios referidos na petição inicial.
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Os Requeridos pugnaram
pela apresentação de provas e a Requerente não.
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Em 4.10.2010, a
douta Ministra indeferiu a produção de prova testemunhal pleiteada pelo
Estado do Pará e delegou ao juízo Federal da Seção Judiciária do Pará o
exercício de função instrutória quanto à instrução da prova pericial
requerida.
Neste ponto cumpre informar que os atos são delegados
pelo STF ao Juízo Federal por “Carta de Ordem” (carta expedida por juiz de hierarquia superior para que outro, de
hierarquia inferior, execute algum ato necessário e determinado) conforme art.
236 e 237 do CPC, ipsis litteris:
Art. 236. Os
atos processuais serão cumpridos por ordem judicial.
§ 1o Será expedida carta para a prática de atos fora
dos limites territoriais do tribunal, da comarca, da seção ou da subseção
judiciárias, ressalvadas as hipóteses previstas em lei.
§ 2o O
tribunal poderá expedir carta para juízo a ele vinculado, se o ato houver de
se realizar fora dos limites territoriais do local de sua sede.
...
Art. 237. Será expedida carta:
I - de ordem,
pelo tribunal, na hipótese do § 2o do art. 236; (grifo nosso)
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Em 24.4.2012, o
juízo da 1ª Vara Federal da Seção Judiciária do Pará devolveu a carta de
ordem cumprida e informou ter sido “apresentado laudo pericial em 18.8.2011,
tendo a União solicitado laudo pericial complementar em 14.11.2011, o qual
foi apresentado pelo perito em 15.2.2012”.
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A União contestou
a perícia realizada, afirmando ter o perito deixado de esclarecer pontos
cruciais, pelo que pede nova perícia nos termos do art. 437 do Código de
Processo Civil de 1973.
A I. Ministra
indeferiu o pedido de nova perícia e declarou o processo saneado.
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Com a posse da e.
Ministra Carmem Lúcia para a presidência do STF a relatoria foi redistribuída
para o Ministro Ricardo Lewandowski. Em 16/3/2017 houve a seguinte decisão de
lavra do e. Ministro Lewandowski: "[...] torno definitivos os efeitos da
liminar deferida e julgo procedente o pedido para o fim de determinar que os
requeridos observem, no prazo máximo de 90 (noventa) dias, as seguintes
obrigações de fazer, sob pena de imposição de multa no valor de R$ 2.000,00
(dois mil reais) pelo descumprimento de cada uma das ordens a seguir
descritas: [...] Os requeridos deverão suportar os ônus da sucumbência,
arcando com os honorários periciais e advocatícios, estes últimos
correspondentes a 10% (dez por cento) do valor atribuído à causa [...]
Intimem-se e publique-se."
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Os Requeridos
Agravaram Regimentalmente esta decisão que por unanimidade foi negado provimento
em julgamento pelo Plenário na sessão virtual de 25 a 31.8.2017 e publicado
neste último dia 15/09/2017, que foi assim ementado, verbis:
Ementa: DIREITO FUNDAMENTAL
À SAUDE – PORTADORES DE TRANSTORNOS MENTAIS – DESATENDIMENTO DOS COMANDOS CONSTITUCIONAIS
QUE TRATAM DIRETAMENTE DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA–DESCUMPRIMENTO DE
ENCARGO POLÍTICO-JURÍDICO - COBRANÇA POR PARTE DA UNIÃO PARA QUE OS RÉUS
CUMPRAM SUA PARCELA DE RESPONSABILIDADE NO ATENDIMENTO DA POLÍTICA NACIONAL
DE ASSISTÊNCIA AOS PACIENTES COM TRANSTORNOS MENTAIS – NECESSIDADE DE
INTERVENÇÃO DO JUDICIÁRIO PARA A GARANTIA DO NÚCLEO ESSENCIAL DE DIREITOS DE
PESSOAS VULNERÁVEIS – REPASSE DA UNIÃO COMPROVADO -ACERVO PROBATÓRIO EXAMINADO
EM PROFUNDIDADE - PROCEDÊNCIA DO PEDIDO COM RATIFICAÇÃO DE LIMINAR
ANTERIORMENTE CONCEDIDA –FIXAÇÃO DE PRAZO
PARA A IMPLEMENTAÇÃO DE MEDIDAS E MULTA EM PATAMAR RAZOÁVEL - AGRAVOS AOS
QUAIS SE NEGA PROVIMENTO.
I - O direito
fundamental à saúde dos portadores de transtornos mentais encontra arrimo não
somente nos arts. 5º, 6º, 196 e 197 da Carta da República, como também nos
arts. 2º, § 1º, 6º, I, d, da Lei 8.080/1990, na
Portaria
3.916/1998, do Ministério da Saúde, além dos artigos 2º, 3º e 12,
da Lei
10.216/2001, que, conforme visto, redireciona o modelo assistencial em saúde
mental no Brasil.
II – A linha de
argumentação desenvolvida pelo Estado requerido quanto à insuficiência
orçamentária é inconsistente, porquanto comprovado que os recursos existem e
que foram repassados pela União, não se podendo opor escusas relacionadas com
a deficiência de caixa.
III – Comprovação
nos autos de que não se assegurou o direito à saúde dos portadores de
transtornos mentais no Estado do Pará, seja da perspectiva do fornecimento de
medicamentos essenciais ao seu
tratamento, seja
no que diz respeito à estrutura física e organizacional necessárias à
consecução dos objetivos previstos pelo legislador constitucional e também
pelo ordinário ao editar a Lei 10.216/2001.
IV - A hipótese
dos autos não cuida de implementação direta de políticas públicas, mas sim de
cobrança realizada diretamente pela União, com fundamento na competência
constitucional concorrente, para que os requeridos cumpram a sua parcela de
responsabilidade no atendimento da política nacional de assistência aos
pacientes com transtornos mentais.
V - A omissão dos
réus em oferecer condições de saúde digna aos portadores de transtornos
mentais exigiu a intervenção do Judiciário, tal como solicitado pela União
para que, pelo menos, o núcleo essencial da dignidade da pessoa humana lhes
seja assegurada, não havendo margem para qualquer discricionariedade por
parte das autoridades locais no tocante a esse tema, ainda mais quando
demonstrados os repasses do executivo federal para a concessão desse mister.
VI – Os usuários
dos serviços de saúde, no caso, possuem direito de exigir de um, de alguns ou
de todos os entes estatais o cumprimento da referida obrigação e, na
hipótese, a União demonstrou que fez a sua parte, com o que se credenciou a
cobrar dos requeridos a observância de suas obrigações.
VII - Os
argumentos lançados nos agravos não são inéditos e já foram devidamente
sopesados. A própria dedução de pedido alternativo de simples dilação de
prazo para o adimplemento das medidas impostas indica que o recurso
apresentado não deve prosperar. Ademais, ficaram bem divisadas as esferas de
responsabilidade da União e da parte ré no atendimento aos portadores de
transtornos mentais. Análise exaustiva do
acervo probatório,
tanto da perspectiva da falta de medicamentos, quanto no que se refere à
instalações físicas, passando, ainda, pela reiteração de comportamento omisso
por parte dos réus em oferecer condições de saúde digna aos portadores de
transtornos mentais.
VIII - Assim,
contrariamente ao sustentado pelas agravantes, in casu, o Judiciário está
plenamente legitimado a agir, sobretudo em benefício dos portadores de
transtornos mentais, pessoas vulneráveis que necessitam do amparo do Estado.
Prazo razoável fixado para a adoção de medidas de extrema importância para o
atendimento dos portadores de deficiência mental e a multa bem aplicada em
patamar proporcional para estimular o cumprimento da obrigação, sem
prejudicar a prestação pela parte ré de outras políticas públicas.
IX - Agravos
regimentais a que se nega provimento.
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sexta-feira, 13 de outubro de 2017
DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA - POLÍTICA NACIONAL DE ASSISTÊNCIA AOS PACIENTES COM TRANSTORNOS MENTAIS- NECESSIDADE DE INTERVENÇÃO DO JUDICIÁRIO PARA A GARANTIA DO NÚCLEO ESSENCIAL DE DIREITOS DE PESSOAS VULNERÁVEIS – REPASSE DA UNIÃO COMPROVADO - FIXAÇÃO DE PRAZO PARA A IMPLEMENTAÇÃO DE MEDIDAS
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