domingo, 15 de outubro de 2017

AFINAL, AS CERTIDÕES DE PASSAGEM PELA VARA DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE PODEM SERVIR COMO MAUS ANTECEDENTES OU REINCIDÊNCIA QUANDO FOR PRESO POR CRIME APÓS A MAIORIDADE PENAL?

AFINAL, AS CERTIDÕES DE PASSAGEM PELA VARA DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE PODEM SERVIR COMO MAUS ANTECEDENTES OU REINCIDÊNCIA QUANDO FOR PRESO POR CRIME APÓS A MAIORIDADE PENAL?

O art. 143 do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90) preconiza a vedação da divulgação dos atos judiciais, policiais e administrativos que digam respeito às crianças e adolescentes, ipsis litteris:

 É vedada a divulgação de atos judiciais, policiais e administrativos que digam respeito a crianças e adolescentes a que se atribua autoria de ato infracional.


A medida socioeducativa pode ser fundamentada em cometimento de atos infracionais anteriores à nova prática bem como ser consideradas as circunstancias pessoais dos menores?

SIM

...
2. Diferentemente da hipótese de internação, a medida de semiliberdade não possui requisitos taxativos de aplicação. Por isso, não há impedimento legal à fixação da medida socioeducativa consistente em semiliberdade desde o início, quando o Juízo da Infância e da Juventude, diante das peculiaridades do caso concreto, fundamentadamente demonstrar a adequação da medida à ressocialização do adolescente, nos termos do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA, art. 120 e parágrafos). Precedentes.
3. A medida socioeducativa de semiliberdade foi devidamente fundamentada no cometimento de atos infracionais anteriores e nas circunstâncias pessoais dos menores, a evidenciar a situação de vulnerabilidade dos adolescentes.
4. Habeas corpus não conhecido, quanto ao adolescente L. S. A. e prejudicado, ante a perda de seu objeto, no que tange ao menor D. B.C.
(HC 364.758/DF, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 22/11/2016, DJe 25/11/2016) (grifo nosso)

Fulano está respondendo por processo criminal cometido já como maior de idade. Acontece que quando menor cometeu vários atos infracionais. O Juiz pode considerar esse passado como maus antecedentes ou reincidência?

NÃO – O Juiz não pode considerar os atos infracionais cometidos quando menor de idade como maus antecedentes e reincidência.

O Juiz pode utilizar estes atos infracionais na valoração da 1ª fase da pena? Ou seja, na valoração da personalidade do agente como circunstância judicial?

Veja que na mesma 5ª turma do STJ há duas decisões diferentes quanto a valoração de ato infracional na personalidade do agente. Ambas tem apenas uma diferença de pouco mais de um mês, verbis:

...5. Nos termos da jurisprudência desta Corte, a prática de ato  infracional  não justifica  a exasperação da pena-base, por não configurar crime, não podendo  ser valorada negativamente na apuração da vida pregressa do réu,  sob o título de antecedentes, personalidade ou conduta social. Outrossim, a  folha de antecedentes juntada não indica a ocorrência de  condenação  penal  transitada  em julgado por fato anterior. Por conseguinte, não é possível valorar a personalidade e a conduta social do paciente. (grifo nosso)
(HC 333.373/RS, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 17/08/2017, DJe 28/08/2017)

...4. Embora o registro de ato infracional não possa ser utilizado para fins de reincidência ou maus antecedentes, por não serem considerados crimes, podem ser sopesados na análise da personalidade do recorrente, reforçando os elementos já suficientes dos autos que o apontam como pessoa perigosa e cuja segregação é necessária. (grifo nosso)
Precedentes.
(HC 410.410/SC, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 21/09/2017, DJe 27/09/2017)

O menor que cumpriu medida socioeducativa, e, posteriormente foi preso por crime cometido após os 18 anos de idade pode ser preso em regime cautelar e ter como um dos fundamentos para o regime de custódia a medida socioeducativa que cumpriu?

DEPENDE!

Preliminarmente, consigne-se que até 2015 a terceira seção do STJ formada pela quinta e sexta turmas (especializadas em Direito Penal) divergiam quanto ao tema.


No início de 2016 o STJ consolidou o entendimento de que a prática pretérita de atos infracionais, a depender do caso, poderia fundamentar prisão cautelar, necessitando das seguintes ponderações:

I)         À gravidade concreta do ato infracional;
II)        À distância temporal entre os registros da Vara da infância e Juventude (VIJ) e a conduta ensejadora da prisão preventiva;
III)       À comprovação da ocorrência dos atos infracionais.

Veja ementa na íntegra, verbis:

RECURSO EM HABEAS CORPUS. RELEVÂNCIA DA QUESTÃO JURÍDICA POSTA. AFETAÇÃO DO WRIT À TERCEIRA SESSÃO. FINALIDADE DE ESTABELECER DIRETRIZES INTERPRETATIVAS PARA CASOS FUTUROS SEMELHANTES. MISSÃO DO STJ COMO CORTE DE PRECEDENTES. PRISÃO PREVENTIVA. PRÁTICA PRETÉRITA DE ATOS INFRACIONAIS. PROBABILIDADE DE RECIDIVA DO COMPORTAMENTO CRIMINOSO. JUÍZO DE CAUTELARIDADE BASEADO NA PERICULOSIDADE DO AGENTE VERSUS PROTEÇÃO ESTATAL À CRIANÇA E AO ADOLESCENTE (ECA, ART.143). DEVER DE PROTEÇÃO QUE CESSA COM A MAIORIDADE DO ACUSADO. LIBERDADE COMO RISCO DE DANO À ORDEM PÚBLICA. FUNDAMENTO IDÔNEO PARA A DECRETAÇÃO DA MEDIDA EXTREMA. NECESSIDADE DE PONDERAÇÃO PELO MAGISTRADO QUANTO: I) À GRAVIDADE CONCRETA DO ATO INFRACIONAL; II) À DISTÂNCIA TEMPORAL ENTRE OS REGISTROS DA VIJ E A CONDUTA ENSEJADORA DA PRISÃO PREVENTIVA; III) À COMPROVAÇÃO DA OCORRÊNCIA DOS ATOS INFRACIONAIS. REQUISITOS NÃO CUMPRIDOS PELA DECISÃO ORA IMPUGNADA. LEGALIDADE DA PRISÃO RESPALDADA POR OUTROS FUNDAMENTOS DO DECRETO PREVENTIVO. RECURSO DESPROVIDO.
1. A controvérsia entre as turmas que compõem a Terceira Seção desta Corte - possibilidade de que, tal qual se dá em relação aos antecedentes penais, sejam os atos infracionais perpetrados pelo acusado, quando ainda era inimputável, considerados para fins cautelares - demanda uniformização quanto ao entendimento sobre a questão jurídica suscitada, o que justifica a afetação deste writ ao órgão colegiado mais qualificado.
2. A probabilidade de recidiva do comportamento criminoso se afere em face do passado do acusado ou pelas circunstâncias específicas relativas ao modus operandi do crime sob exame. Isso equivale a dizer que se o imputado cometeu o crime com, por exemplo, requintes de crueldade e excesso de violência, pode-se concluir que se trata de pessoa perigosa ao convívio social. Ou, por outro ângulo, mais centrado no passado do acusado, se os seus registros criminais denotam ser alguém que já respondeu ou responde por outros crimes de igual natureza, que traduzem um comprometimento com práticas ilícitas graves, não é leviano concluir que se trata de alguém cuja liberdade representa um consistente risco de dano à ordem pública, à paz social, à própria vítima e/ou à coletividade.
3. Os registros sobre o passado de uma pessoa, seja ela quem for, não podem ser desconsiderados para fins cautelares. A avaliação sobre a periculosidade de alguém impõe que se perscrute todo o seu histórico de vida, em especial o seu comportamento perante a comunidade, em atos exteriores, cujas consequências tenham sido sentidas no âmbito social. Se os atos infracionais não servem, por óbvio, como antecedentes penais e muito menos para firmar reincidência (porque tais conceitos implicam a ideia de "crime" anterior), não podem ser ignorados para aferir a personalidade e eventual risco que sua liberdade plena representa para terceiros.
4. É de lembrar, outrossim, que a proteção estatal prevista no ECA, em seu art. 143, é voltada ao adolescente (e à criança), condição que o réu deixou de ostentar ao tornar-se imputável. Com efeito, se, durante a infância e a adolescência do ser humano, é imperiosa a maior proteção estatal, a justificar todas as cautelas e peculiaridades inerentes ao processo na justiça juvenil, inclusive com a imposição do sigilo sobre os atos judiciais, policiais e administrativos que digam respeito a crianças e, em especial, aos adolescentes aos quais se atribua autoria de ato infracional (art.143 da Lei n. 8.069/1990), tal dever de proteção cessa com a maioridade penal, como bem destacado no referido precedente.
5. A toda evidência, isso não equivale a sustentar a possibilidade de decretar-se a prisão preventiva, para garantia da ordem pública, simplesmente porque o réu cometeu um ato infracional anterior. O raciocínio é o mesmo que se utiliza para desconsiderar antecedente penal que, por dizer respeito a fato sem maior gravidade, ou já longínquo no tempo, não deve, automaticamente, supedanear o decreto preventivo.
6. Seria, pois, indispensável que a autoridade judiciária competente, para a consideração dos atos infracionais do então adolescente, averiguasse: a) A particular gravidade concreta do ato ou dos atos infracionais, não bastando mencionar sua equivalência a crime abstratamente considerado grave; b) A distância temporal entre os atos infracionais e o crime que deu origem ao processo (ou inquérito policial) no curso do qual se há de decidir sobre a prisão preventiva; c) A comprovação desses atos infracionais anteriores, de sorte a não pairar dúvidas sobre o reconhecimento judicial de sua ocorrência.
7. Na espécie, a par de ausente documentação a respeito, o Juiz natural deixou de apontar, concretamente, quais atos infracionais foram cometidos pelo então adolescente e em que momento e em que circunstâncias eles ocorreram, de sorte a permitir, pelas singularidades do caso concreto, aferir o comportamento passado do réu, sua personalidade e, por conseguinte, elaborar um prognóstico de recidiva delitiva e de periculosidade do acusado.
8. No entanto, há outras razões invocadas pelo Juízo singular que se mostram suficientes para dar ares de legalidade à ordem de prisão do ora paciente, ao ressaltar "que o crime foi praticado com grave violência, demonstrando conduta perigosa que não aconselha a liberdade", bem como o fato de o delito ter sido cometido em razão de dívida de drogas, em concurso de pessoas, por determinação do paciente, "que comanda uma das quadrilhas de tráfico de entorpecentes da região".
9. Recurso em habeas corpus desprovido.
(RHC 63.855/MG, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, Rel. p/ Acórdão Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 11/05/2016, DJe 13/06/2016)


O TJDFT vem seguindo os precedentes do STJ quanto à motivação do juiz baseada no cometimento de ato infracional para segregação cautelar como questão de ordem pública, verbis:

HABEAS CORPUS- TRÁFICO DE DROGAS - FLAGRANTE CONVERTIDO EM PRISÃO PREVENTIVA - DECISÃO FUNDAMENTADA - INDÍCIOS DE AUTORIA E MATERIALIDADE - PASSAGENS ANTERIORES PELA VARA DA INFÂNCIA E JUVENTUDE - REITERAÇÃO DELITUOSA - PERICULOSIDADE EVIDENCIADA - GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA.
I. O conceito de ordem pública não se limita a prevenir a reprodução de fatos criminosos, mas também acautelar o meio social e a aplicação da lei penal. A gravidade do crime não pode ser considerada isoladamente para justificar a segregação, mas, aliada às circunstâncias fáticas e à reiteração, autoriza a manutenção da prisão cautelar.
II. As certidões de passagens pela VIJ não caracterizam maus  antecedentes ou reincidência, mas servem para atestar a periculosidade do paciente e indicar a necessidade de mantê-lo segregado para garantia da ordem pública.
III. Medidas cautelares diversas à constrição corporal implicam resposta muito aquém à necessária para resguardar os bens jurídicos afrontados com a prática delitiva.
IV. Ordem denegada.
(Acórdão n.1052176, 20170020206394HBC, Relator: SANDRA DE SANTIS 1ª TURMA CRIMINAL, Data de Julgamento: 05/10/2017, Publicado no DJE: 11/10/2017. Pág.: 95/107)

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