quarta-feira, 18 de abril de 2018

O Tribunal Penal Internacional e o conflito Israel-Palestino

Direitos Humanos – Human Rights

2ª Edição 2018

O Tribunal Penal Internacional e o conflito Israel-Palestino

Preliminarmente, cumpre informar que o Tribunal Penal Internacional (TPI) também conhecido como Corte Penal Internacional e mais comumente chamado de Corte ou Tribunal de Haia foi criado e estabelecido em 17/07/1998.

As bases foram estabelecidas a partir de julho de 1994 pela Comissão de Direito Internacional, órgão da Organização das Nações Unidas (ONU) composto por um corpo jurídico especializado cuja tarefa é preparar projetos e convenções sobre temas que ainda não tenham sido regulamentados pela legislação internacional, e codificar as regras do Direito Internacional nos campos onde já existe uma prática do Estado.

Na oportunidade, 122 Estados assinaram o tratado, dentre eles o Brasil que só passou a ser signatário em 2002, quando o Congresso Nacional aprovou o texto em junho de 2002 e o Presidente Fernando Henrique Cardoso através do Decreto Lei 4.388/02 promulgou em seguida em 25 de setembro do mesmo ano.

Uma importante observação é que até o momento 122 nações aderiram e ratificaram o Estatuto, e, alguns que haviam assinado não ratificaram com a China, a Rússia e os EUA.

Logo no final da sua presidência Bill Clinton assinou o tratado, mas ao ser eleito presidente, George W. Bush retirou a assinatura, e, curiosamente começou a trabalhar contra o tratado, assinando tratados bilaterais com outros Estados que se comprometem a não enviar cidadãos americanos para serem julgados pelo TPI.

Uma outra observação pessoal é que o TPI foi estabelecido pelo Estatuto de Roma mas criado por um órgão da ONU conforme dito alhures. E a sede principal da ONU até hoje é em Nova York, EUA, um prédio de 39 andares que teve a participação fundamental do Arquiteto brasileiro Oscar Niemeyer.

O Estatuto de Roma possui 128 artigos, dentre os quais tentaremos utilizar sua maior parte no enfrentamento da problemática.

PRINCÍPIO DA COMPLEMENTARIEDADE:  O Tribunal será uma instituição permanente, com jurisdição sobre as pessoas responsáveis pelos crimes de maior gravidade com alcance internacional, de acordo com o presente Estatuto, e será complementar às jurisdições penais nacionais;

REGIME JURÍDICO DO TRIBUNAL: O Tribunal tem personalidade jurídica internacional. Possui, igualmente, a capacidade jurídica necessária ao desempenho das suas funções e à prossecução dos seus objetivos;

PODERES DO TRIBUNAL: O Tribunal pode exercer os seus poderes e funções nos termos do presente Estatuto, no território de qualquer Estado Parte e, por acordo especial, no território de qualquer outro Estado;


JURISDIÇÃO: Para aceitar a jurisdição do TPI os Estados possuem dois caminhos: O da assinatura com a ratificação do tratado tornando-se Estado-parte ou através de uma declaração Ad Hoc de aceitação do Tribunal que pode ser solicitada pelo Ministro da Justiça ou de Negócios Estrangeiros em exercício;

CRIMES DE COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL: 

·         Crime de Genocídio - praticado com intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso;

·         Crime de Guerra – Violações graves às Convenções de Genebra;

·         Crimes de Agressão - Agressão é quando um Estado usa da força contra a soberania de outro, sem que sua atitude seja consistente com as permissões da boa convivência Internacional. O Crime de agressão chegou a um consenso em 11 de Junho de 2010 sobre os seus elementos constitutivos, escolhendo que o Conselho de Segurança da ONU é quem inicialmente irá decidir se a atitude do estado em atentar contra outro é um crime de agressão, ou seja, o individuo que deu causa após a deliberação do Conselho de Segurança, será remetido ao Tribunal Penal Internacional;

·         Crimes Contra a Humanidade - qualquer um dos atos seguintes, quando cometido no quadro de um ataque, generalizado ou sistemático, contra qualquer população civil, havendo conhecimento desse ataque:        a) Homicídio; b) Extermínio;         c) Escravidão; d) Deportação ou transferência forçada de uma população; e) Prisão ou outra forma de privação da liberdade física grave, em violação das normas fundamentais de direito internacional; f) Tortura; g) Agressão sexual, escravatura sexual, prostituição forçada, gravidez forçada, esterilização forçada ou qualquer outra forma de violência no campo sexual de gravidade comparável; h) Perseguição de um grupo ou coletividade que possa ser identificado, por motivos políticos, raciais, nacionais, étnicos, culturais, religiosos ou de gênero, tal como definido no parágrafo 3º, ou em função de outros critérios universalmente reconhecidos como inaceitáveis no direito internacional, relacionados com qualquer ato referido neste parágrafo ou com qualquer crime da competência do Tribunal; i) Desaparecimento forçado de pessoas;j) Crime de apartheid; k) Outros atos desumanos de caráter semelhante, que causem intencionalmente grande sofrimento, ou afetem gravemente a integridade física ou a saúde física ou mental.

EXERCÍCIO DA JURISDIÇÃO:

        O Tribunal pode exercer a sua jurisdição em relação a qualquer um dos crimes elencados acima, de acordo com o disposto no presente Estatuto, se:

a)        Um Estado Parte denunciar ao Procurador, nos termos do artigo 14, qualquer situação em que haja indícios de ter ocorrido a prática de um ou vários desses crimes;

b)        O Conselho de Segurança, agindo nos termos do Capítulo VII da Carta das Nações Unidas, denunciar ao Procurador qualquer situação em que haja indícios de ter ocorrido a prática de um ou vários desses crimes; ou

c) O Procurador tiver dado início a um inquérito sobre tal crime, nos termos do disposto no artigo 15.

QUANTO A ADMISSIBILIDADE: As questões relativas à admissibilidade bem como a impugnação de sua jurisdição ou admissibilidade do caso encontram-se nos artigos 16, 17 e 18 do Estatuto e aconselho ler bem atentamente.

OUTROS ASPECTOS: Outras considerações relevantes encontram-se no Estatuto, e, uma lida já esclarece muita coisa. Por hora, as explicações acima já ajudam a entender o caso da Palestina em relação ao TPI.




CASO DA PALESTINA: Depois da operação Israelense “Chumbo endurecido”, em Gaza, em Dezembro de 2008 e Janeiro de 2009, o Ministro Palestino da Justiça Ali Khashan entregou pessoalmente em Haia, em 22 de janeiro de 2009 uma declaração de aceitação da jurisdição do TPI para processar e julgar crimes cometidos na Palestina desde 1 de julho de 2002, conforme entendimento do artigo 12.3 do Estatuto de Roma.

Mas como pode a Palestina fazer parte do TPI se ela não possui território?

Em consonância com o artigo 12.3 do Estatuto de Roma, segundo o qual a jurisdição do TPI pode ser estabelecida quando um Estado que aceitou a sua jurisdição dispõe, quer de um título territorial, quer de um título pessoal.

O Tribunal poderá também exercer a sua jurisdição relativamente a crimes ou pessoas sob a jurisdição respectiva de Estados que não aceitaram nem ratificaram o seu Estatuto. Como é o caso de Israel, que assinou o Estatuto de Roma em 31 de dezembro de 2000, em 28 de agosto de 2002 anunciou não querer mais fazer parte.

Qualquer seletividade de excluir o TPI não tiraria a competência para investigar, processar e julgar todos os responsáveis por fatos incriminados pelo seu Estatuto (princípio da personalidade ativa) e cometidos no território palestino (princípio da territorialidade).

No caso em tela, tanto cidadãos Israelenses como Palestinos, ou até de outras nacionalidades poderão ser penalizados pelo TPI. Isto mostra o quanto a arma da justiça penal internacional pode ser de dois gumes.

Em outro giro, a maioria dos Estados hoje reconhecem a Palestina como território, principalmente em Gaza.

É neste sentido que decidiu o Tribunal de Justiça da Corte Européia (TJCE) em acórdão proferido em 25 de fevereiro de 2010, no caso Firma Brita GmbH c. Hauptzollamt Hamburg-Hafen (C-386/08), no qual afirmou que as autoridades aduaneiras palestinas são as únicas a poderem exercer sobre as mercadorias produzidas no seu território, in verbis:

Processo C-386/08: Acórdão do Tribunal de Justiça (Quarta Secção) de 25 de Fevereiro de 2010 (pedido de decisão prejudicial do Finanzgericht Hamburg — Alemanha) — Firma Brita GmbH/Hauptzollamt Hamburg-Hafen (Acordo de Associação CE-Israel — Âmbito de aplicação territorial — Acordo de Associação CE-OLP — Recusa de aplicação de um regime pautal preferencial concedido em favor dos produtos originários de Israel aos produtos originários da Cisjordânia — Dúvidas quanto à origem dos produtos — Exportador autorizado — Controle a posteriori das declarações nas faturas pelas autoridades aduaneiras do Estado de importação — Convenção de Viena sobre o direito dos tratados — Princípio do efeito relativo dos tratados)

Após a entrega da declaração de aceitação, a Palestina consolidou a sua entrada non TPI pela aceitação e ratificação do tratado em janeiro de 2015.

Esta adesão, fortemente criticada pelas autoridades Israelenses como um ato hostil, não equivale a um recurso por uma declaração ad hoc. Ratione materiae, ela abre o caminho para o encaminhamento ao TPI da “situação” palestina na sua totalidade, sem a possibilidade de restringi-la a fatos específicos.

Ratione temporis, ela torna o TPI competente a partir de 1 abril de 2015, ou seja, 60 dias após a ratificação.

Com esta adesão, o objetivo declarado dos Palestinos é fazer julgar os líderes israelenses pelos seus crimes internacionais, ligados ou não com a ocupação, pelo TPI, ou seja, por um tribunal independente e permanente, que tem jurisdição sobre os indivíduos (e não os Estados) autores dos crimes mais graves que afetam a comunidade internacional como um todo (genocídios, crimes contra a humanidade, crimes de guerra e agressões).

Desde a declaração ad hoc de 2009 o Procurador do TPI vem trabalhando no assunto. Mas não é fácil, pois o caminho seguido para recorrer ao TPI vai desde a abertura de um exame preliminar ao inquérito, e depois ao julgamento, o que na maioria das vezes é longo e complexo.

Pelo princípio da complementariedade, pedra angular do TPI conforme deito alhures, o Estado tem a responsabilidade primária do julgamento dos autores de crimes internacionais.

O TPI poderá declarar-se competente somente se o Estado em causa não tem vontade ou capacidade para realizar investigações ou processos, bem como se encerrou um processo por falta de vontade ou capacidade de processar.

Para identificar uma possível falta de capacidade do Estado num caso, o TPI poderá também levar em conta outros fatores, muitas vezes ligados ao caos em situações de pós conflito.

No caso da Palestina, pra distinguir as situações que justifiquem uma investigação das demais o Procurador elaborou um processo de “filtragem” dividido em quatro fases.

Depois de receber a primeira declaração de aceitação da jurisdição do TPI em 2009, o Procurador teve de verificar a existência de processos penais nacionais, tanto na Palestina como em Israel.

No lado palestino, pode constatar a intenção da Palestina de realizar investigações no seu território; do lado israelense, recebeu um relatório segundo o qual processos haviam sido iniciados.

Esta abordagem demonstrou que o Procurador considerou competente o TPI neste caso.

Paradoxalmente, no entanto, foi à conclusão oposta que chegou no comunicado de encerramento do exame preliminar da situação na Palestina[1].

A Procuradora Fatou Bensouda, que substituiu o procurador em 15 de junho de 2012, abriu, em 16 de janeiro de 2015, um exame preliminar da situação na Palestina com base na segunda declaração de 2014[2].

Atualmente, a situação palestina encontra-se na fase de avaliação da competência do TPI (fase 2), isto é, numa fase anterior à análise da admissibilidade e complementaridade (fase 3).

A esta situação adiciona-se às outras para as quais o Gabinete da Procuradora está realizando exames preliminares: Afeganistão, Burundi,
Colômbia, Gabão, Guiné, Iraque/Reino Unido, Navios de Cômoros, Grécia e Camboja, Nigéria, Ucrânia.

Diante da atual situação a procuradora tem recebido duras críticas por ter violado três princípios básicos que norteiam o exame preliminar: a Independência, a Imparcialidade e a Objetividade.

O princípio da Independência a independência implica que o Procurador atue sem levar em conta influências exteriores.

A este respeito, várias críticas visaram a política penal do Procurador, cuja suposta parcialidade teria permitido abrir exames preliminares apenas no caso de Estados fracos ou, pelo menos, de situações que não
envolvem nenhum Estado poderoso[3].

Isto mostra o quanto a Corte depende substancialmente da seleção feita pelo Procurador das investigações e dos processos.
Como se não bastasse, depois da chegada da nova Procuradora, Fatou Bensouda, dia 15 de junho de 2012, a situação da Palestina desapareceu misteriosamente da lista dos exames preliminares encerrados no sítio da internet do TPI.

É como se a Procuradora tivesse apagado qualquer referência ao anterior encerramento realizado pelo seu antecessor com base na declaração de 2009, mas não formalizado num relatório público.

Através de um comunicado de imprensa do TPI, ela anunciou, em 16 de janeiro de 2015, que abria um exame preliminar sobre a situação da Palestina com base na segunda declaração de 2014[4].


Diante dos dados de que o Procurador anterior do TPI levou mais de três anos para concluir que não era capaz de decidir sobre a qualidade de Estado da Palestina, é possível prever que a atual Procuradora não chegará a uma decisão acerca da questão da oportunidade de abrir um inquérito antes de vários anos, ou até que não tomará qualquer decisão a este respeito, deixando o exame preliminar prolongar-se indefinidamente.

Há de ressaltar também que com a adesão da Palestina ao TPI não só Israel poderá ser penalizado mas também a própria Palestina e outros países bem como seus cidadãos responsáveis.

Infelizmente a cultura do prolongamento de decisões desfavoráveis a pessoas e países de alta influência não é uma fraqueza apenas do Brasil, mas do Planeta Terra!


Principais fontes do texto:

MAIA, Catherine. PALESTINA E TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL: RETORNO A UMA SAGA JUDICIAL. Revista Instituto Brasileiro de Direitos Humanos. Disponível em: revista.ibdh.org.br/index.php/ibdh/article/download/345/330/

GONZÁLEZ, Paulina Veja. O PAPEL DAS VÍTIMAS NOS PROCEDIMENTOS PERANTE O TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL: SEUS DIREITOS E AS PRIMEIRAS DECISÕES DO TRIBUNAL. Revista Internacional de Direitos Humanos. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1806-64452006000200003.

International Criminal Court. Disponível em: https://www.icc-cpi.int/

Estatuto de Roma
Convenção de Genebra




[1] TPI, Gabinete do Procurador, “Situation in Palestine”, comunicado de imprensa de 3 de abril de 2012.
[2] TPI, Gabinete do Procurador, “Situation in Palestine”, comunicado de imprensa de 16 de janeiro de 2015.
[3] Ver W.A. SCHABAS, “The Banality of International Justice”, Journal of International Criminal Justice, vol. 11, 2013, pp. 545-551.
[4] TPI, Gabinete do Procurador, “The Prosecutor of the International Criminal Court, Fatou Bensouda, opens a preliminary examination of the situation in Palestine”, comunicado de imprensa de 16 de janeiro de 2015. A este respeito, a nova Procuradora afirmou claramente que a Resolução 67/19 da Assembleia Geral, pela qual a Palestina aderiu, em 2012, ao estatuto de Estado não observador das Nações Unidas, “does not cure the legal invalidity of the 2009 declaration” (ICC, Gabinete do Procurador, Report on the Preliminary Examination Activities of the Office of the Prosecutor in 2013, § 238).

segunda-feira, 16 de abril de 2018

Habeas Corpus Concedido no Superior Tribunal de Justiça baseado em Direitos Humanos elencado na Constituição Brasileira e Pacto São José da Costa Rica e com precedentes na Corte Interamericana de Direitos Humanos e na Corte Européia de Direitos Humanos

Direitos Humanos – Human Rights
1ª Edição 2018

É com enorme prazer que lançamos o informativo de Direitos Humanos – Human Rights.

Para iniciar contamos uma breve história dos Direitos Humanos no Mundo.

Em seguida estudaremos um caso de violação de Direitos Humanos julgada pelo Superior Tribunal de Justiça, onde o voto vencedor trouxe como espeque a Constituição Cidadã Brasileira e o Pacto São José da Costa Rica, com força no Decreto 678/92 e o direcionamento da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) bem como da Corte Europeia de Direitos Humanos (CEDH).

Breve Histórico dos Direitos Humanos no Mundo Ocidental

Em 539 a.C., os exércitos de Ciro, o primeiro rei da antiga Pérsia, conquistaram a cidade da Babilônia. Mas foram as suas ações posteriores que marcaram um avanço muito importante para o Homem. Ele libertou os escravos, declarou que todas as pessoas tinham o direito de escolher a sua própria religião, e estabeleceu a igualdade racial. Estes e outros decretos foram registados num cilindro de argila na língua acádia com a escritura cuneiforme.

Conhecido hoje como o Cilindro de Ciro, este registo antigo foi agora reconhecido como a primeira carta dos direitos humanos do mundo. Está traduzido nas seis línguas oficiais das Nações Unidas e as suas estipulações são análogas aos quatro primeiros artigos da Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Em seguida esses direitos começaram a ser difundidos pelo ocidente (Índia, Grécia, Roma, etc...).

Posteriormente surgiram os documentos que afirmam os direitos individuais, como a Carta Magna (1215), a Petição de Direito (1628), a Constituição dos Estados Unidos (1787), a Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789), e a Declaração dos Direitos dos Estados Unidos (1791).

Estes são os precursores escritos para muitos dos documentos de Direitos Humanos atuais como tratados e convenções.

Fonte: http://www.unidosparaosdireitoshumanos.com.pt/what-are-human-rights/brief-history/
       
No caso em tela, trata-se de um Habeas Corpus Nº 400.889 - SE (2017/0120722-1), com pedido de Liminar impetrado em favor de M.V.J apontando-se como autoridade coatora a Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Sergipe (HC n. 201600329045).

Narram os autos que o paciente teve a prisão preventiva decretada em razão da suposta prática do crime previsto no art. 121, § 2º, II e IV c/c art.14, II, ambos do Código Penal, por fato ocorrido em 14/8/2014.

Segundo consta dos autos, a prisão ocorreu em outubro de 2014 e, em 19/11/2014, o Ministério Público ofertou a denúncia, a qual foi recebida pelo Juízo de Direito da Comarca de Cristinápolis/SE em 10/12/2014.

Em 14/9/2016, foi indeferido o pedido de revogação da prisão cautelar. Impetrado writ, na origem, o Tribunal estadual denegou a ordem.

Daí o presente mandamus, em que a impetrante menciona, de início, que [...] já se passaram mais de 2 (dois) anos e 8 (meses) sem ter concluído a fase de instrução do processo, prazo este não considerado razoável para a permanência da segregação do paciente.

Sustenta [...] a ausência de justa causa para a manutenção da prisão preventiva do paciente, uma vez que o mesmo fora posto perante a vítima e testemunhas do crime e nenhuma delas o reconheceu como sendo o autor do delito em comento.

Aduz que estão ausentes os requisitos previstos no art. 312 do Código de Processo Penal.

Requer, inclusive liminarmente, a revogação da prisão preventiva.

Indeferida a liminar, o Ministério Público Federal opinou, pelas palavras da Subprocuradora-Geral da República Raquel Elias Ferreira Dodge, pelo não conhecimento e, no mérito, pela denegação da ordem.
O Relator, Ministro Sebastião Reis Júnior, acompanhado em seu voto apenas pelo Ministro Nefi Cordeiro, em voto vencido, não concedeu a ordem, in verbis:

[...] Segundo pacífico entendimento doutrinário e jurisprudencial, a configuração de excesso de prazo não decorre da soma aritmética de prazos legais. A questão deve ser aferida segundo os critérios de razoabilidade, tendo em vista as peculiaridades do caso.

Na hipótese dos autos, conforme relatado acima, o Magistrado de piso está tomando todas as medidas para o andamento do feito.

Além do que, em consulta à página do Tribunal de Justiça, na internet, constatei que, tendo em vista o advogado do réu ter renunciado ao mandato, o Magistrado, em 20/10/2017, determinou o prazo de 10 dias para ele constituir novo defensor, o que implicou também no retardamento do feito.

[...] Assim, dadas as peculiaridades do caso concreto, não observo ter havido desídia do Judiciário ou do Ministério Público no impulsionamento da ação penal.

Acerca dos fundamentos da prisão cautelar, disse Tribunal estadual que [...] não fora acostada aos autos a decisão que decretou a referida segregação do paciente, ora fustigada, razão pela qual não conheço deste writ, quanto ao pleito (fl. 395).

Dessa forma, tendo em vista que a Corte sergipana não analisou os fundamentos da prisão preventiva, a análise por este Superior Tribunal de Justiça implicaria indevida supressão de instância.

Ante o exposto, denego a ordem.

Os Ministros da Sexta Turma, por maioria, concederam a ordem de habeas corpus, nos termos do voto do Sr. Ministro Rogerio Schietti Cruz, que lavrou o acórdão. Vencidos os Srs. Ministros Sebastião Reis Júnior e Nefi Cordeiro. Votaram com o Sr. Ministro Rogerio Schietti Cruz os Srs. Ministros Antônio Saldanha Palheiro e Maria Thereza de Assis Moura, in verbis:

[...] Ao analisar a impetração, o Ministro Sebastião Reis Júnior, relator do caso, não conheceu do pedido tocante à ausência de fundamentação da custódia preventiva, uma vez que a matéria não foi apreciada pelo Tribunal estadual e, quanto ao excesso de prazo, considerou não haver delonga injustificada a motivar a concessão da ordem.

Apesar de concordar com a solução adotada no que tange à impossibilidade de examinar os motivos que justificaram a prisão cautelar do réu, entendo, com a devida vênia, configurado excesso de prazo não ocasionado pela defesa e, por conseguinte, considero hipótese de concessão da ordem.

Extrai-se dos autos que o paciente e o coacusado tiveram sua
prisão preventiva decretada em 13/10/2014, pela suposta prática do delito previsto no art. 121, § 2º, II e IV, c/c o art. 14, II, ambos do Código Penal.

A denúncia foi oferecida em 19/11/2014 e recebida em 10/12/2014. Em 14/9/2016, o Juízo singular indeferiu pedido de revogação da prisão preventiva do paciente, o que motivou a impetração de habeas corpus perante o Tribunal estadual, que denegou a ordem sob a seguinte motivação [...]

Diante desse contexto, entendo que a prisão já ultrapassou a razoabilidade, visto que o réu foi preso preventivamente em 21/10/2014, a instrução iniciou-se em 11 de maio de 2016, ocasião em que se determinou a expedição de carta precatória para a oitiva de testemunhas arroladas (não há indicação se tais testemunhas eram de acusação ou de defesa). Em 8/6/216,
foram inquiridas duas testemunhas e a vítima, bem como interrogados os réus.

Atualmente, os autos estão em diligência para o retorno de cartas precatórias expedidas, a fim de concluir a instrução do feito.

Portanto, parece-me desarrazoado o tempo decorrido desde a prisão cautelar do acusado – cerca de três anos e meio –, sem a perspectiva de encerramento da primeira fase do procedimento do Tribunal do Júri, num processo em que são apenas dois réus e que não revela, assim, maior complexidade a justificar tão longo atraso na conclusão do judicium accusationis.

Em relação ao tema, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San Jose da Costa Rica), vigente entre nós por força do Decreto n. 678, de 6/11/92, confere à pessoa acusada em processo criminal o "[...] direito a ser julgada dentro de um prazo razoável [...]" (art. 7º, item 5).

Mais ainda, o mesmo preceito legal assegura à pessoa presa o direito a "ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade por lei a exercer funções judiciais", o que vem reforçado no item I do art. 8º, em que se outorga à pessoa submetida à persecução penal o "direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou Tribunal competente".

O tema, a propósito, tem sido objeto de inúmeros julgados da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), inclusive de processos em que se aponta o Brasil como responsável pelo constrangimento ilegal decorrente do descumprimento do direito à razoável duração do processo.

A Corte, para aferir a razoabilidade ou a irrazoabilidade do prazo excedido pelo Estado reclamado, considera a ocorrência de fatores como: (a) as circunstâncias particulares de cada caso e a complexidade do litígio; (b) a conduta processual das partes ou, mais proximamente, do acusado; (c) a conduta das autoridades responsáveis pela condução do processo, sejam elas administrativas ou judiciais. Caso Ximenes Lopes versus Brasil, sentença de 4/7/2006; Caso Nogueira de Carvalho e outro versus Brasil, sentença de 28/11/2006; Caso "La ùltima tentacion de Cristo" (Olmedo Bustos y otros), sentença de 5/2/2001; Caso do Massacre de Puerto Bello versus Colômbia, sentença de 31/1/2006; Caso López Alvarez versus Honduras, sentença de 1º/2/2006.

No mesmo sentido, coloca-se a homóloga Corte Europeia de Direitos Humanos (CEDH), como, v.g., no Caso Gaglione, sentença de 7/12/2010; no Caso Imbrioscia, sentença de 24/11/1993, e no Caso Delcourt, sentença de 17/1/1970.

Nossa Constituição da República, a seu turno, acabou por seguir o Direito Internacional e incorporou ao seu texto, por meio da Emenda Constitucional n. 45/2004, o inciso LXXVIII ao art. 5º, que assim dispõe:

LXXVIII - a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.

Dessa forma, reconheço injustificada e indevida a delonga para o encerramento do feito; é, portanto, manifesta a ilegalidade imposta ao acusado na ação penal que deu origem a esta impetração.

À vista do exposto, concedo a ordem para assegurar ao paciente o direito de responder à ação penal em liberdade se por outro motivo também não estiver preso, ressalvada a possibilidade de nova decretação da custódia cautelar caso efetivamente demonstrada a superveniência de fatos novos que indiquem a sua necessidade, sem prejuízo de fixação de medida cautelar alternativa, nos termos do art. 319 do CPP.
Inteiro teor da Ementa, in verbis:

HABEAS CORPUS Nº 400.889 - SE (2017/0120722-1)
RELATOR : MINISTRO SEBASTIÃO REIS JÚNIOR
R.P/ACÓRDÃO : MINISTRO ROGERIO SCHIETTI CRUZ
IMPETRANTE : LARRISSA MATOS CHAGAS TRINDADE
ADVOGADO : LARISSA MATOS MELO CHAGAS - SE007962
IMPETRADO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE
PACIENTE : MAIKE VALENTIM DE JESUS (PRESO)

EMENTA

HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO TENTADO. EXCESSO DE PRAZO PARA O ENCERRAMENTO DO FEITO. DELONGA NÃO JUSTIFICADA. ORDEM CONCEDIDA.

1. É direito do preso, acusado em processo penal, ser julgado em prazo razoável, sem dilações indevidas, em conformidade com a Constituição da República (art. 5º, LXVIII) e com o Decreto n. 678/1992 (Convenção Americana sobre Direitos Humanos, art. 7º, item 5).

2. É desarrazoado o tempo decorrido desde a prisão cautelar do paciente – cerca de três anos e meio –, sem a perspectiva de encerramento da primeira fase do procedimento do Tribunal do Júri, num processo em que são apenas dois réus e que não revelando, assim, maior complexidade a justificar tal atraso na conclusão do judicium accusationis.

3. Ordem concedida para assegurar ao paciente o direito de responder à ação penal em liberdade, ressalvada a possibilidade de nova decretação da custódia cautelar caso efetivamente demonstrada a superveniência de fatos novos que indiquem a sua necessidade, sem prejuízo de fixação de medida cautelar alternativa, nos termos do art. 319 do CPP.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Sexta Turma, por maioria, conceder a ordem de habeas corpus, nos termos do voto do Sr. Ministro Rogerio Schietti Cruz, que lavrará o acórdão. Vencidos os Srs. Ministros Sebastião Reis Júnior e Nefi Cordeiro. Votaram com o Sr. Ministro Rogerio Schietti Cruz os Srs. Ministros Antonio Saldanha Palheiro e Maria Thereza de Assis Moura.


Brasília (DF), 20 de março de 2018.


Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ

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