Informativo Jurisprudencial de Direito Imobiliário, Urbanístico e
Notarial
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Desde que o homem saiu da civilização pré-histórica e passou a
viver em comunidades passou a ser sujeito de direito e obrigações.
Assim passou a conquistar posses e como decorrência ter direitos sobre
elas, podendo dispor de qualquer forma, sendo as mais comuns: doação, troca e
venda.
Neste ínterim surgiu o Direito Civil regulando o instituto do
direito e das obrigações, fazendo parte deste os contratos em geral.
Sabendo que a relação entre os homens vem à frente e o direito
vem apenas para regular ou controlar as situações para que nenhum lado sofra
mais do que outro, ou haja imensa desvantagem, não basta apenas editar leis e
cuidar para que sejam cumpridas.
É necessário, em casos mais complexos, que haja intervenção do
judiciário e consequentemente uma interpretação ampliativa, sob a égide dos
princípios constitucionais e civis e da Lei paradigma ao fato, levando sempre
em conta o respeito ao ato jurídico perfeito, à coisa julgada e ao direito
adquirido.
Diante desses fatos, o poder judicante exercido por um Juiz,
Desembargador, Ministro, Tribunal, Órgão, Turma ou Seção confere, á luz do Direito,
a relação posta à prova pelos litigantes, chegando nem sempre a melhor
solução, mas buscando o mais elevado grau de Justiça!
Nesta esteira conduzo um julgado do ano de 2016 no Tribunal
Regional Federal da 1ª Região que resolve uma questão onde há um mutuário da
Caixa Econômica Federal vendendo através de um “contrato de gaveta” para um
comprador e este vendendo de novo a outro comprador do mesmo modo.
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TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
APELAÇÃO: 220-87.2007.4.01.3815 (2007.38.15.000222-4)/MG
Processo na Origem: 200738150002224
RELATO:DESEMBARGADOR FEDERAL JIRAIR ARAM MEGUERIAN
RELATORA:JUÍZA FEDERAL
HIND GHASSAN KAYATH (CONV.)
APELANTE: G. P. F
ADVOGADO: MG00095723
- MATHEUS BEVILACQUA CAMPELO
APELADO : CAIXA
ECONOMICA FEDERAL - CEF
ADVOGADO:MG00060817
- IVAN MARCIO MANCINI E OUTROS
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In casu, trata-se de recurso de apelação
interposto por G.P.F contra sentença proferida por Juiz Federal de MG que, ao
examinar ação pelo rito ordinário proposta pelo recorrente com o propósito de
obter o reconhecimento da validade de transferência de contrato de mútuo
habitacional sem o consentimento do agente financeiro, bem como sua quitação
em face do falecimento do mutuário originário, entendeu o Juízo a quo pela
improcedência do pedido.
Nas razões do recurso (fls.
135/141), requer o apelante a reforma da sentença, para reconhecer a nova
ação subjetiva, no sentido de reconhecer o “contrato de gaveta” e a
consequente transferência para seu nome, o financiamento do mútuo realizado
entre o comprador originário (falecido) e a CEF.
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Cumpre informar que no caso em tela
o mutuário da caixa, falecido, tinha adesão com cláusula de garantia de
cobertura pelo Fundo de Compensação de Variações Salariais (FCVS), também denominado
FCVS Garantia, que liquidará ou amortizará o saldo do financiamento
habitacional, em caso de Morte ou Invalidez Permanente.
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Assim, o acórdão teve que
primeiramente reconhecer a legitimidade do apelante, in verbis:
A Lei nº 8.004/90 concede ao
mutuário o direito de transferir a terceiros os direitos e obrigações decorrentes
do contrato firmado no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação. Todavia, o
parágrafo único do art. 1º da referida lei previu expressamente que “A formalização de venda, promessa de
venda, cessão ou promessa de cessão relativas a imóvel financiado através do
SFH dar-se-á em ato concomitante à transferência do financiamento respectivo,
com a interveniência obrigatória da instituição financeira.” (Grifei).
No ponto, não se ignora a
superveniência da Lei 10.150/2000 ao conferir aos cessionários dos denominados
“contratos de gaveta” poderes para demandar em juízo questões relativas às
obrigações assumidas e aos direitos adquiridos no âmbito do SFH. Equiparou-se
o “gaveteiro” ao mutuário originário desde
que a sub-rogação, formalizada em Cartórios de Registro de Imóveis, títulos e
Documentos, ou de Notas, sem a interveniência da instituição financiadora,
tenha sido realizada até 25 de outubro de 1996. É o que se vê dos arts.
20 a 23 do referido diploma legal, in verbis:
Art. 20. As transferências no âmbito
do SFH, à exceção daquelas que envolvam contratos enquadrados nos planos de
reajustamento definidos pela Lei no 8.692, de 28 de julho de 1993, que tenham
sido celebradas entre o mutuário e o adquirente até 25 de outubro de 1996, sem a interveniência da instituição
financiadora, poderão ser regularizadas nos termos desta Lei.
Parágrafo único. A condição de
cessionário poderá ser comprovada junto à instituição financiadora, por
intermédio de documentos formalizados junto a Cartórios de Registro de
Imóveis, Títulos e Documentos, ou de Notas, onde se caracterize que a
transferência do imóvel foi realizada até 25 de outubro de 1996.
O entendimento firmado no Superior Tribunal de Justiça pelo rito
dos recursos repetitivos de que trata o art. 543-C do Código de Processo
Civil em relação às Leis 8.004/1990 e 10.150/2000 na parte atinente à
legitimidade do cessionário de contrato (“gaveteiro”) celebrado entre
mutuário cedente e a instituição financeira para demandar em juízo questões
relativas ao mútuo celebrado no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação,
consolidou-se conforme o seguinte paradigma:
RECURSO ESPECIAL. REPETITIVO. RITO DO ART. 543-C DO CPC. SISTEMA
FINANCEIRO DA HABITAÇÃO. LEGITIMIDADE ATIVA DO CESSIONÁRIO DE CONTRATO DE
MÚTUO. LEI Nº 10.150/2000. REQUISITOS.
1. Para efeitos do art. 543-C do CPC:
1.1 Tratando-se de contrato de
mútuo para aquisição de imóvel garantido pelo FCVS, avençado até 25/10/96 e
transferido sem a interveniência da instituição financeira, o cessionário
possui legitimidade para discutir e demandar em juízo questões pertinentes às
obrigações assumidas e aos direitos adquiridos.
1.2 Na hipótese de contrato
originário de mútuo sem cobertura do FCVS, celebrado até 25/10/96,
transferido sem a anuência do agente financiador e fora das condições
estabelecidas pela Lei nº 10.150/2000, o cessionário não tem legitimidade
ativa para ajuizar ação postulando a revisão do respectivo contrato.
1.3 No caso de cessão de
direitos sobre imóvel financiado no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação
realizada após 25/10/1996, a anuência da instituição financeira mutuante é
indispensável para que o cessionário adquira legitimidade ativa para requerer
revisão das condições ajustadas, tanto para os contratos garantidos pelo FCVS
como para aqueles sem referida cobertura.
2. Aplicação ao caso concreto:
2.1. Recurso especial parcialmente conhecido e nessa parte
provido.
Acórdão sujeito ao regime do artigo 543-C do Código de Processo
Civil e da Resolução STJ nº 8/2008.
(Negritei). (REsp 1150429/CE, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS
CUEVA, CORTE ESPECIAL, julgado em 25/04/2013, DJe 10/05/2013).
Esta Corte Regional de Justiça
acompanha a orientação do STJ como se vê dos seguintes excertos extraídos da
jurisprudência das duas Turmas que integram a Terceira Seção deste Tribunal:
“A Lei n. 10.150/2000 assegurou ao cessionário de financiamento,
regido pelo SFH, em que o contrato de mútuo contenha cláusula de cobertura de
eventual saldo residual pelo Fundo de Compensação das Variações Salariais
(FCVS), e cuja cessão de direitos e obrigações tenha sido celebrada até 25 de
outubro de 1996, ainda que sem anuência da instituição financeira, a
legitimidade para discutir questões relativas às obrigações assumidas e aos
direitos adquiridos. Precedente: REsp 1.150.429/CE, Relator Ministro Ricardo
Villas Bôas Cueva, Corte Especial, DJe de 10.05.2013 - julgamento realizado
na forma do art. 543-C do Código de Processo Civil.”
(Negritei). (AC 26507-80.2007.4.01.3300/BA, Rel. DESEMBARGADOR
FEDERAL DANIEL PAES RIBEIRO, SEXTA TURMA, e-DJF1 p.154 de 25/09/2014).
“A Lei n. 10.150/2000 assegurou ao cessionário de financiamento
regido pelo SFH - em que o contrato de mútuo contenha cláusula de cobertura
de eventual saldo residual pelo Fundo de Compensação das Variações Salariais
(FCVS), cuja cessão de direitos e obrigações tenha sido celebrada até 25 de
outubro de 1996, ainda que sem anuência da instituição financeira - a
legitimidade para discutir questões relativas às obrigações assumidas e aos
direitos adquiridos. Precedente: REsp 1.150.429/CE, Relator Ministro Ricardo
Villas Bôas Cueva, Corte Especial, DJe de 10.05.2013 - julgamento realizado
na forma do art. 543-C do Código de Processo Civil.”
(Negritei). (AC
726-71.2008.4.01.3801/MG, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL NÉVITON GUEDES, QUINTA
TURMA, e-DJF1 p.121 de 25/03/2015).
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Na hipótese
como a dos autos, verifica-se que a Cessão de Direitos celebrada entre os
mutuários originários e os primeiros gaveteiros (Josenildo Flor da Silva e sua
esposa) ocorreu em 03/10/1990 (fl.
83). O contrato de compra e venda realizado entre os segundos gaveteiros
(Josenildo Flor da Silva e sua esposa) e o autor, G.P.F, por sua vez, está datado de 07/01/1991 (fls.
84/85), razão pela qual possui
legitimidade para discutir em juízo as obrigações assumidas pelos mutuários
originários.
Assim, reconhecida a
legitimidade ativa do Autor,
passa-se ao pedido inicial, consubstanciado na pretensão de quitação do saldo
devedor do financiamento pelo falecimento do mutuário originário, Sr. Manoel
Eustáquio Alvim Moraes Baptista.
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O argumento
da CEF de que os mutuários não fazem jus à cobertura do FCVS por terem outro
imóvel financiado pelo Sistema Financeiro da Habitação não teve amparo
judicial porque a regra impositiva de quitação de somente um saldo devedor só
passou a viger no mundo jurídico com a edição da Lei 8.100/90.
Ocorre que
o referido dispositivo legal não poderia ser aplicado retroativamente para
limitar a quitação pelo FCVS a um único saldo devedor (RESP n. 393.543/PR, 1ª
T., Min. Garcia Vieira, DJ de 08.04.2002).
Impende
ressaltar que o FCVS é sucessor do extinto Banco Nacional de Habitação (BNH).
Assim, o
ordenamento jurídico passou a permitir expressamente a quitação pelo FCVS do
saldo devedor remanescente no final dos contratos firmados até 5 de dezembro
de 1990. Nessa linha é o entendimento pacificado na jurisprudência do
Superior Tribunal de Justiça ao decidir a questão representativa da
controvérsia, na forma do art. 543-C, do CPC, em julgamento cuja ementa tem o
seguinte teor:
PROCESSUAL
CIVIL. RECURSO ESPECIAL. REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C, DO CPC.
ADMINISTRATIVO. CONTRATO DE MÚTUO. LEGITIMIDADE. CAIXA ECONÔMICA FEDERAL.
SUCESSORA DO EXTINTO BNH E RESPONSÁVEL PELA CLÁUSULA DE COMPROMETIMENTO DO
FCVS. CONTRATO DE MÚTUO. DOIS OU MAIS IMÓVEIS, NA MESMA LOCALIDADE, ADQUIRIDOS
PELO SFH COM CLÁUSULA DE COBERTURA PELO FCVS. IRRETROATIVIDADE DAS LEIS
8.004/90 E 8.100/90. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO (SÚMULAS 282 E 356/STF.
DEFICIÊNCIA NA FUNDAMENTAÇÃO. SÚMULA 284/STF.
1.
A
Caixa Econômica Federal, após a extinção do BNH, ostenta legitimidade para
ocupar o pólo passivo das demandas referentes aos contratos de financiamento
pelo SFH, porquanto sucessora dos direitos e obrigações do extinto BNH e
responsável pela cláusula de comprometimento do FCVS - Fundo de Compensação
de Variações Salariais, sendo certo que a ausência da
União como litisconsorte não viola o artigo 7.º, inciso III, do Decreto-lei
n.º 2.291, de 21 de novembro de 1986. Precedentes do STJ: CC 78.182/SP, Rel.
Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA SEÇÃO, DJ de 15/12/2008; REsp 1044500/BA, Rel.
Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA,
DJ de 22/08/2008; REsp 902.117/AL, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA TURMA, DJ
01/10/2007; e REsp 684.970/GO, Rel. Ministra
ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, DJ 20/02/2006.
...
6. Deveras, se na data do
contrato de mútuo ainda não vigorava norma impeditiva da liquidação do saldo
devedor do financiamento da casa própria pelo FCVS, porquanto preceito
instituído pelas Leis 8.004, de 14 de março de 1990, e 8.100, de 5 de
dezembro de 1990, fazê-la incidir violaria o Princípio da Irretroatividade
das Leis a sua incidência e conseqüente vedação da liquidação do referido
vínculo.
7.
In casu, à época da celebração do contrato em 27/02/1987 (fls. 13/20) vigia a
Lei n.º 4.380/64, que não excluía a possibilidade de o resíduo do
financiamento do segundo imóvel adquirido ser quitado pelo FCVS, mas,
tão-somente, impunha aos mutuários que, se acaso fossem proprietários de
outro imóvel, seria antecipado o vencimento do valor financiado.
8.
A alteração promovida pela Lei n.º 10.150, de 21 de dezembro de 2000, à Lei
n.º 8.100/90 tornou evidente a possibilidade de quitação do saldo residual do
segundo financiamento pelo FCVS, aos contratos firmados até 05.12.1990.
Precedentes do STJ: REsp 824.919/RS, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, DJ de
23/09/2008; REsp 902.117/AL, Rel.
Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA TURMA, DJ 01/10/2007; REsp 884.124/RS,
Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA
TURMA, DJ 20/04/2007 e AgRg no Ag 804.091/RS, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, DJ 24/05/2007.
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Portanto o
FCVS como sucessor do BNH possui legitimidade para figurar no polo passivo
das obrigações assumidas pelo extinto BNH por assumir seus direitos e
obrigações
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No mérito
ficou assim decidido, in verbis:
Desse
modo, não há óbice ao acolhimento da pretensão do autor, já que pactuado o
contrato originário em 15 de setembro de 1986 (fls. 15/21), desde que
efetivado o pagamento das parcelas previamente combinadas. Isso porque, mesmo
considerando a circunstância de existirem outros contratos, é regular a
liquidação do saldo devedor de financiamento firmado no âmbito do Sistema
Financeiro da Habitação em data anterior a 5 de dezembro de 1990, com cláusula
de cobertura do Fundo de Compensação de Variações Salariais – FCVS após a
adimplência das prestações mensais ajustadas para o resgate da dívida, nos
termos da Lei 8.100/90, observadas as alterações da Lei 10.150/2000.
Pelo
exposto, dou provimento ao recurso de apelação interposto pelo autor e,
reformando a sentença, julgo procedente o pedido inicial, condenando a CEF à
quitação do saldo devedor do contrato de financiamento firmado com o mutuário
originário. Custas e honorários, estes no valor de R$ 1.000,00, pela CEF.
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Portanto, é regular a liquidação do
saldo devedor de financiamento firmado no âmbito do Sistema Financeiro da
Habitação em data anterior a 5 de dezembro de 1990, mesmo considerando a
circunstância de existirem outros contratos, desde que efetivado o pagamento
das parcelas previamente combinadas e havendo cláusula de cobertura do Fundo
de Compensação de Variações Salariais – FCVS após a adimplência das
prestações mensais ajustadas para o resgate da dívida, nos termos da Lei
8.100/90, observadas as alterações da Lei 10.150/2000.
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sábado, 17 de fevereiro de 2018
Direito das Obrigações - Contratos - SFH - BNH - FCVS - Contrato de Gaveta
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