sábado, 17 de fevereiro de 2018

Direito das Obrigações - Contratos - SFH - BNH - FCVS - Contrato de Gaveta

Informativo Jurisprudencial de Direito Imobiliário, Urbanístico e Notarial
Desde que o homem saiu da civilização pré-histórica e passou a viver em comunidades passou a ser sujeito de direito e obrigações.

Assim passou a conquistar posses e como decorrência ter direitos sobre elas, podendo dispor de qualquer forma, sendo as mais comuns: doação, troca e venda.

Neste ínterim surgiu o Direito Civil regulando o instituto do direito e das obrigações, fazendo parte deste os contratos em geral.

Sabendo que a relação entre os homens vem à frente e o direito vem apenas para regular ou controlar as situações para que nenhum lado sofra mais do que outro, ou haja imensa desvantagem, não basta apenas editar leis e cuidar para que sejam cumpridas.

É necessário, em casos mais complexos, que haja intervenção do judiciário e consequentemente uma interpretação ampliativa, sob a égide dos princípios constitucionais e civis e da Lei paradigma ao fato, levando sempre em conta o respeito ao ato jurídico perfeito, à coisa julgada e ao direito adquirido.

Diante desses fatos, o poder judicante exercido por um Juiz, Desembargador, Ministro, Tribunal, Órgão, Turma ou Seção confere, á luz do Direito, a relação posta à prova pelos litigantes, chegando nem sempre a melhor solução, mas buscando o mais elevado grau de Justiça!

Nesta esteira conduzo um julgado do ano de 2016 no Tribunal Regional Federal da 1ª Região que resolve uma questão onde há um mutuário da Caixa Econômica Federal vendendo através de um “contrato de gaveta” para um comprador e este vendendo de novo a outro comprador do mesmo modo.

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
APELAÇÃO: 220-87.2007.4.01.3815 (2007.38.15.000222-4)/MG
Processo na Origem: 200738150002224
RELATO:DESEMBARGADOR FEDERAL JIRAIR ARAM MEGUERIAN
RELATORA:JUÍZA FEDERAL HIND GHASSAN KAYATH (CONV.)
APELANTE:  G. P. F
ADVOGADO: MG00095723 - MATHEUS BEVILACQUA CAMPELO
APELADO :  CAIXA ECONOMICA FEDERAL - CEF
ADVOGADO:MG00060817 - IVAN MARCIO MANCINI E OUTROS 
In casu, trata-se de recurso de apelação interposto por G.P.F contra sentença proferida por Juiz Federal de MG que, ao examinar ação pelo rito ordinário proposta pelo recorrente com o propósito de obter o reconhecimento da validade de transferência de contrato de mútuo habitacional sem o consentimento do agente financeiro, bem como sua quitação em face do falecimento do mutuário originário, entendeu o Juízo a quo pela improcedência do pedido.
Nas razões do recurso (fls. 135/141), requer o apelante a reforma da sentença, para reconhecer a nova ação subjetiva, no sentido de reconhecer o “contrato de gaveta” e a consequente transferência para seu nome, o financiamento do mútuo realizado entre o comprador originário (falecido) e a CEF.
Cumpre informar que no caso em tela o mutuário da caixa, falecido, tinha adesão com cláusula de garantia de cobertura pelo Fundo de Compensação de Variações Salariais (FCVS), também denominado FCVS Garantia, que liquidará ou amortizará o saldo do financiamento habitacional, em caso de Morte ou Invalidez Permanente.
Assim, o acórdão teve que primeiramente reconhecer a legitimidade do apelante, in verbis:
A Lei nº 8.004/90 concede ao mutuário o direito de transferir a terceiros os direitos e obrigações decorrentes do contrato firmado no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação. Todavia, o parágrafo único do art. 1º da referida lei previu expressamente que “A formalização de venda, promessa de venda, cessão ou promessa de cessão relativas a imóvel financiado através do SFH dar-se-á em ato concomitante à transferência do financiamento respectivo, com a interveniência obrigatória da instituição financeira.” (Grifei).
No ponto, não se ignora a superveniência da Lei 10.150/2000 ao conferir aos cessionários dos denominados “contratos de gaveta” poderes para demandar em juízo questões relativas às obrigações assumidas e aos direitos adquiridos no âmbito do SFH. Equiparou-se o “gaveteiro” ao mutuário originário desde que a sub-rogação, formalizada em Cartórios de Registro de Imóveis, títulos e Documentos, ou de Notas, sem a interveniência da instituição financiadora, tenha sido realizada até 25 de outubro de 1996. É o que se vê dos arts. 20 a 23 do referido diploma legal, in verbis:
Art. 20. As transferências no âmbito do SFH, à exceção daquelas que envolvam contratos enquadrados nos planos de reajustamento definidos pela Lei no 8.692, de 28 de julho de 1993, que tenham sido celebradas entre o mutuário e o adquirente até 25 de outubro de 1996, sem a interveniência da instituição financiadora, poderão ser regularizadas nos termos desta Lei.
Parágrafo único. A condição de cessionário poderá ser comprovada junto à instituição financiadora, por intermédio de documentos formalizados junto a Cartórios de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos, ou de Notas, onde se caracterize que a transferência do imóvel foi realizada até 25 de outubro de 1996.
O entendimento firmado no Superior Tribunal de Justiça pelo rito dos recursos repetitivos de que trata o art. 543-C do Código de Processo Civil em relação às Leis 8.004/1990 e 10.150/2000 na parte atinente à legitimidade do cessionário de contrato (“gaveteiro”) celebrado entre mutuário cedente e a instituição financeira para demandar em juízo questões relativas ao mútuo celebrado no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação, consolidou-se conforme o seguinte paradigma:
RECURSO ESPECIAL. REPETITIVO. RITO DO ART. 543-C DO CPC. SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO. LEGITIMIDADE ATIVA DO CESSIONÁRIO DE CONTRATO DE MÚTUO. LEI Nº 10.150/2000. REQUISITOS.
1. Para efeitos do art. 543-C do CPC:
1.1 Tratando-se de contrato de mútuo para aquisição de imóvel garantido pelo FCVS, avençado até 25/10/96 e transferido sem a interveniência da instituição financeira, o cessionário possui legitimidade para discutir e demandar em juízo questões pertinentes às obrigações assumidas e aos direitos adquiridos.
1.2 Na hipótese de contrato originário de mútuo sem cobertura do FCVS, celebrado até 25/10/96, transferido sem a anuência do agente financiador e fora das condições estabelecidas pela Lei nº 10.150/2000, o cessionário não tem legitimidade ativa para ajuizar ação postulando a revisão do respectivo contrato.
1.3 No caso de cessão de direitos sobre imóvel financiado no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação realizada após 25/10/1996, a anuência da instituição financeira mutuante é indispensável para que o cessionário adquira legitimidade ativa para requerer revisão das condições ajustadas, tanto para os contratos garantidos pelo FCVS como para aqueles sem referida cobertura.
2. Aplicação ao caso concreto:
2.1. Recurso especial parcialmente conhecido e nessa parte provido.
Acórdão sujeito ao regime do artigo 543-C do Código de Processo Civil e da Resolução STJ nº 8/2008.
(Negritei). (REsp 1150429/CE, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, CORTE ESPECIAL, julgado em 25/04/2013, DJe 10/05/2013).
Esta Corte Regional de Justiça acompanha a orientação do STJ como se vê dos seguintes excertos extraídos da jurisprudência das duas Turmas que integram a Terceira Seção deste Tribunal:
“A Lei n. 10.150/2000 assegurou ao cessionário de financiamento, regido pelo SFH, em que o contrato de mútuo contenha cláusula de cobertura de eventual saldo residual pelo Fundo de Compensação das Variações Salariais (FCVS), e cuja cessão de direitos e obrigações tenha sido celebrada até 25 de outubro de 1996, ainda que sem anuência da instituição financeira, a legitimidade para discutir questões relativas às obrigações assumidas e aos direitos adquiridos. Precedente: REsp 1.150.429/CE, Relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Corte Especial, DJe de 10.05.2013 - julgamento realizado na forma do art. 543-C do Código de Processo Civil.”
(Negritei). (AC 26507-80.2007.4.01.3300/BA, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL DANIEL PAES RIBEIRO, SEXTA TURMA, e-DJF1 p.154 de 25/09/2014).

“A Lei n. 10.150/2000 assegurou ao cessionário de financiamento regido pelo SFH - em que o contrato de mútuo contenha cláusula de cobertura de eventual saldo residual pelo Fundo de Compensação das Variações Salariais (FCVS), cuja cessão de direitos e obrigações tenha sido celebrada até 25 de outubro de 1996, ainda que sem anuência da instituição financeira - a legitimidade para discutir questões relativas às obrigações assumidas e aos direitos adquiridos. Precedente: REsp 1.150.429/CE, Relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Corte Especial, DJe de 10.05.2013 - julgamento realizado na forma do art. 543-C do Código de Processo Civil.”
(Negritei). (AC 726-71.2008.4.01.3801/MG, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL NÉVITON GUEDES, QUINTA TURMA, e-DJF1 p.121 de 25/03/2015).
Na hipótese como a dos autos, verifica-se que a Cessão de Direitos celebrada entre os mutuários originários e os primeiros gaveteiros (Josenildo Flor da Silva e sua esposa) ocorreu em 03/10/1990 (fl. 83). O contrato de compra e venda realizado entre os segundos gaveteiros (Josenildo Flor da Silva e sua esposa) e o autor, G.P.F, por sua vez, está datado de 07/01/1991 (fls. 84/85), razão pela qual possui legitimidade para discutir em juízo as obrigações assumidas pelos mutuários originários.
Assim, reconhecida a legitimidade ativa do Autor, passa-se ao pedido inicial, consubstanciado na pretensão de quitação do saldo devedor do financiamento pelo falecimento do mutuário originário, Sr. Manoel Eustáquio Alvim Moraes Baptista.

O argumento da CEF de que os mutuários não fazem jus à cobertura do FCVS por terem outro imóvel financiado pelo Sistema Financeiro da Habitação não teve amparo judicial porque a regra impositiva de quitação de somente um saldo devedor só passou a viger no mundo jurídico com a edição da Lei 8.100/90.
Ocorre que o referido dispositivo legal não poderia ser aplicado retroativamente para limitar a quitação pelo FCVS a um único saldo devedor (RESP n. 393.543/PR, 1ª T., Min. Garcia Vieira, DJ de 08.04.2002).

Impende ressaltar que o FCVS é sucessor do extinto Banco Nacional de Habitação (BNH).

Assim, o ordenamento jurídico passou a permitir expressamente a quitação pelo FCVS do saldo devedor remanescente no final dos contratos firmados até 5 de dezembro de 1990. Nessa linha é o entendimento pacificado na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça ao decidir a questão representativa da controvérsia, na forma do art. 543-C, do CPC, em julgamento cuja ementa tem o seguinte teor:
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C, DO CPC. ADMINISTRATIVO. CONTRATO DE MÚTUO. LEGITIMIDADE. CAIXA ECONÔMICA FEDERAL. SUCESSORA DO EXTINTO BNH E RESPONSÁVEL PELA CLÁUSULA DE COMPROMETIMENTO DO FCVS. CONTRATO DE MÚTUO. DOIS OU MAIS IMÓVEIS, NA MESMA LOCALIDADE, ADQUIRIDOS PELO SFH COM CLÁUSULA DE COBERTURA PELO FCVS. IRRETROATIVIDADE DAS LEIS 8.004/90 E 8.100/90. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO (SÚMULAS 282 E 356/STF. DEFICIÊNCIA NA FUNDAMENTAÇÃO. SÚMULA 284/STF.
1.      A Caixa Econômica Federal, após a extinção do BNH, ostenta legitimidade para ocupar o pólo passivo das demandas referentes aos contratos de financiamento pelo SFH, porquanto sucessora dos direitos e obrigações do extinto BNH e responsável pela cláusula de comprometimento do FCVS - Fundo de Compensação de Variações Salariais, sendo certo que a ausência da União como litisconsorte não viola o artigo 7.º, inciso III, do Decreto-lei n.º 2.291, de 21 de novembro de 1986. Precedentes do STJ: CC 78.182/SP, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA SEÇÃO, DJ de 15/12/2008; REsp 1044500/BA, Rel. Ministra  ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, DJ de 22/08/2008; REsp 902.117/AL, Rel. Ministro  TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA TURMA, DJ 01/10/2007; e REsp 684.970/GO, Rel. Ministra  ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, DJ 20/02/2006.
...
6. Deveras, se na data do contrato de mútuo ainda não vigorava norma impeditiva da liquidação do saldo devedor do financiamento da casa própria pelo FCVS, porquanto preceito instituído pelas Leis 8.004, de 14 de março de 1990, e 8.100, de 5 de dezembro de 1990, fazê-la incidir violaria o Princípio da Irretroatividade das Leis a sua incidência e conseqüente vedação da liquidação do referido vínculo.
7. In casu, à época da celebração do contrato em 27/02/1987 (fls. 13/20) vigia a Lei n.º 4.380/64, que não excluía a possibilidade de o resíduo do financiamento do segundo imóvel adquirido ser quitado pelo FCVS, mas, tão-somente, impunha aos mutuários que, se acaso fossem proprietários de outro imóvel, seria antecipado o vencimento do valor financiado.
8. A alteração promovida pela Lei n.º 10.150, de 21 de dezembro de 2000, à Lei n.º 8.100/90 tornou evidente a possibilidade de quitação do saldo residual do segundo financiamento pelo FCVS, aos contratos firmados até 05.12.1990. Precedentes do STJ: REsp 824.919/RS, Rel. Ministra  ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, DJ de 23/09/2008;  REsp 902.117/AL, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA TURMA, DJ 01/10/2007; REsp 884.124/RS, Rel. Ministro  CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, DJ 20/04/2007 e AgRg no Ag 804.091/RS, Rel. Ministro  LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, DJ 24/05/2007.
Portanto o FCVS como sucessor do BNH possui legitimidade para figurar no polo passivo das obrigações assumidas pelo extinto BNH por assumir seus direitos e obrigações
No mérito ficou assim decidido, in verbis:
Desse modo, não há óbice ao acolhimento da pretensão do autor, já que pactuado o contrato originário em 15 de setembro de 1986 (fls. 15/21), desde que efetivado o pagamento das parcelas previamente combinadas. Isso porque, mesmo considerando a circunstância de existirem outros contratos, é regular a liquidação do saldo devedor de financiamento firmado no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação em data anterior a 5 de dezembro de 1990, com cláusula de cobertura do Fundo de Compensação de Variações Salariais – FCVS após a adimplência das prestações mensais ajustadas para o resgate da dívida, nos termos da Lei 8.100/90, observadas as alterações da Lei 10.150/2000.
Pelo exposto, dou provimento ao recurso de apelação interposto pelo autor e, reformando a sentença, julgo procedente o pedido inicial, condenando a CEF à quitação do saldo devedor do contrato de financiamento firmado com o mutuário originário. Custas e honorários, estes no valor de R$ 1.000,00, pela CEF.
          Portanto, é regular a liquidação do saldo devedor de financiamento firmado no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação em data anterior a 5 de dezembro de 1990, mesmo considerando a circunstância de existirem outros contratos, desde que efetivado o pagamento das parcelas previamente combinadas e havendo cláusula de cobertura do Fundo de Compensação de Variações Salariais – FCVS após a adimplência das prestações mensais ajustadas para o resgate da dívida, nos termos da Lei 8.100/90, observadas as alterações da Lei 10.150/2000.

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