Informativo Jurisprudencial de Direito Imobiliário,
Urbanístico e Notarial
2018 – nº 03
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Dentro das relações imobiliárias a locação do
imóvel urbano residencial ou comercial é uma das questões mais relevantes.
Para regular as relações entre locador e locatário
temos a Lei do Inquilinato “Lei 8.245/99” com as alterações feitas pela Lei
“12.112/2009” e o Código Civil de 2002.
A primeira norma legal surgiu em 1921 - Decreto
Legislativo 4.403- para reger especificamente as relações locatícias no
Brasil. Antes disso todo vínculo locatício era regido pelo Código Civil de
1916.
Em 1934 com o Decreto-Lei n° 24.150, conhecido
como “lei de luvas”, os nossos legisladores decidem interferir mais
incisivamente nas relações locatícias não residenciais evitando que os proprietários
de lojas e pontos comerciais cobrassem o que bem entendessem pela renovação
dos seus contratos, permitindo assim que o LOCATÁRIO pudesse ao longo do
tempo estabelecer o seu fundo de comércio com respaldo legal e a segurança de
que não teria o seu esforço subtraído de forma vil.
Com os efeitos da segunda guerra mundial, até o
ano de 1964 (ano em que ocorreu o golpe militar), o Brasil editou 21 leis
“temporárias/transitórias” para regular o caos social instaurado por efeito
das guerras em todo o mundo devido à escassez de imóveis, notadamente aqueles
que seriam destinados à locação.
Neste ínterim surgiu a denúncia cheia com a
intenção de minimizar os efeitos dos donos de imóveis retirarem a locação
para repassarem a outros locatários a maiores preços.
Com a criação do banco nacional de habitação (BNH)
em 1964, e a criação de estímulos aos investimentos na construção civil para
dar mais equilíbrio na lei de procura x oferta, fundamentalmente dos imóveis
destinados à locação, surge no nosso ordenamento jurídico a “denúncia vazia”
na qual o proprietário poderia reaver o imóvel, imotivadamente após certo
período, se a relação locatícia não lhe estivesse sendo satisfatória.
A partir daí então houve um maciço investimento na
construção civil, até porque até então a diversidade de investimentos no
nosso país era muito pouca, e o investimento em imóveis para alugar se tornou
vantajoso, sendo também viável ao LOCATÁRIO que ainda não possuía até então
condições para a aquisição do imóvel próprio.
Nesse contexto surge em 1991 a lei do inquilinato
vigente (Lei 8.245/91) que agrega todo o aprendizado obtido pelos nossos
legisladores ao longo dos fatos aqui narrados nesse breve histórico das
relações locatícias[1].
Devido ao grande interesse sobre o assunto escolhemos
esta semana um julgado do final de 2017 pelo Superior Tribunal de Justiça
sobre a “denúncia vazia”.
Também fica a dica aos colegas advogados que uma
boa causa se ganha sempre na instância superior. Melhor ainda se for em
tribunal superior, como no caso em tela.
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Processo: REsp 1.364.668-MG, Rel. Min. Ricardo
Villas Bôas Cueva, por unanimidade, julgado em 07/11/2017, DJe 17/11/2017
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In casu, Trata-se de
recurso especial interposto por D. DE S. C. E OUTRO, com fundamento no art.
105, III, "a" e "c", da Constituição Federal, contra
acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais assim
ementado, in verbis:
"AÇÃO
DE DESPEJO - DENÚNCIA VAZIA - POSSIBILIDADE DE CONTAGEM DO PRAZO DE TRINTA
MESES COM A UTILIZAÇÃO DE RENOVAÇÕES SUCESSIVAS POR PRAZO DETERMINADO -
SENTENÇA MANTIDA - Em todas as locações residenciais por escrito, com prazo
igual ou superior a trinta meses, admitindo-se para a contagem deste prazo a
ocorrência de renovações sucessivas por prazo determinado, fica evidenciada a
possibilidade da denúncia vazia, que é a faculdade de rescindir a locação sem
a obrigação de demonstrar a razão ou a necessidade da retomada do imóvel,
diferente do que ocorre quando o prazo é inferior a trinta meses, onde os
locadores irão subordinar-se às restrições do artigo 47, ou seja, denúncia
justificada. - Recurso Não Provido".
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Nas razões recursais os recorrentes alegam
violação dos arts.46 e 47 da Lei nº 8.245/1991, além de dissídio
jurisprudencial.
Sustentam a impossibilidade de despejo por denúncia
vazia, pois nenhum dos contratos de locação foi celebrado por prazo superior
a 30 (trinta) meses.
Asseveram que a locação, entretanto, "foi
firmada por três instrumentos distintos, sendo que nenhum deles com prazo de
trinta meses", não sendo possível, no caso, a cumulação dos períodos de
renovação contratual.
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Breve
histórico da demanda:
Na origem, V. B. F. M. propôs ação de despejo
contra D. DE S. C. e outro postulando a desocupação do imóvel e a entrega das
chaves.
Narra que celebrou contrato de locação para o
período inicial de 1º/10/2008 a 31/3/2009 (duração de 6 meses ), prorrogado
por escrito mediante dois aditivos contratuais até o dia 31/3/2011,
totalizando 30 (trinta) meses. Após, notificou extrajudicialmente os
requeridos para comunicar o desinteresse na renovação.
O juízo de primeiro grau julgou procedente o
pedido.
No
julgamento da apelação o Tribunal de origem negou provimento ao recurso
reafirmando o juízo de primeiro grau com base nos seguintes fundamentos:
"(...)
A controvérsia cinge-se na verificação se é possível ou não a soma do
contrato originário com os aditamentos sucessivos, para o cômputo do prazo de
trinta meses consignado no art. 46 da Lei 8.245/91, para a interposição da
denúncia vazia.
A
denúncia vazia é a faculdade de rescindir a locação sem a obrigação de
demonstrar a razão ou a necessidade da retomada do imóvel.
Quando
não há possibilidade de renovação compulsória da locação, o contrato
submete-se aos princípios gerais da lei do inquilinato, sujeitando-se a
denúncia vazia. Assim, terminando o prazo do contrato, cumpre ao locatário
promover a ação de despejo nos 30 dias seguintes; caso contrário, terá que
notificar previamente o locador.
A
intenção do legislador foi dilatar o prazo inicial dos contratos de locação residencial,
concedendo ao locador a possibilidade de reaver o imóvel sem
ter que
justificar sua motivação, podendo ser esta qualquer que seja, do outro lado
concede ao inquilino uma maior estabilidade, podendo esse usufruir do imóvel
por um período de 2 anos e meio sem a ameaça da retomada do imóvel. (...)
Em todas
as locações residenciais por escrito, com prazo igual ou superior a trinta
meses, admitindo-se para o cômputo deste prazo a soma do contrato original
com os aditivos sucessivos firmados pelas partes, fica evidenciada a presença
da denúncia vazia, que é a faculdade de rescindir a
locação
sem a obrigação de demonstrar a razão ou a necessidade da retomada do imóvel,
diferente do que ocorre quando o prazo é inferior a trinta meses, onde os
locadores irão subordinar-se às restrições do artigo 47, ou seja, denúncia
justificada". (grifo nosso)
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Controvérsia:
A controvérsia está em definir o cabimento da
denúncia vazia quando o prazo de 30 (trinta) meses, exigido pelo art. 46 da
Lei nº 8.245/1991, é atingido com as sucessivas prorrogações do contrato de
locação de imóvel residencial urbano.
Delimitada a discussão, observa-se que a posição
do acórdão recorrido está calcada no instituto da acessão de tempo, isto é,
na somatória dos prazos dos diversos contratos sucessivos.
No caso, o período de 30 (trinta) meses foi
obtido a partir da seguinte conclusão: (i) contrato originário celebrado pelo
tempo de 6 (seis) meses e (ii) dois aditivos contratuais pelo prazo de 1 (um)
ano cada.
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Parte do
Relatório do voto:
Todavia, quando a Lei nº 8.245/1991 quis adotar a
accessio temporis, fê-lo expressamente,
a exemplo do art. 51, II, segundo o qual o locatário de imóveis para fins comerciais
terá direito à renovação do instrumento de locação se demonstrar, dentre outros
requisitos, que o prazo mínimo do contrato a renovar ou a soma dos acordos
escritos seja superior a 5 (cinco) anos.
Nesse aspecto, a Terceira Turma decidiu que a
"Lei 8.245/91 acolheu expressamente a possibilidade de 'accessio
temporis', ou seja, a soma dos períodos ininterruptos dos contratos de
locação para se alcançar o prazo mínimo de 5 (cinco) anos exigido para o
pedido de renovação".
Por sua vez, o art. 46, caput, traz a expressão
"por prazo igual ou superior a trinta meses", sem permitir explicitamente
a contagem de múltiplos instrumentos negociais, ainda que haja apenas a
prorrogação dos períodos locatícios, sem a alteração das condições
originalmente pactuadas. Assim, a lei
é clara quanto à imprescindibilidade do requisito temporal em um único pacto,
cujo objetivo é garantir a estabilidade contratual em favor do locatário.
Eis a redação do referido artigo:
"Art.
47. Quando ajustada verbalmente ou por escrito e como prazo inferior a trinta
meses, findo o prazo estabelecido, a locação prorroga - se
automaticamente,
por prazo indeterminado, somente podendo ser retomado o imóvel:
I - Nos
casos do art. 9º;
II - em
decorrência de extinção do contrato de trabalho, se a ocupação do imóvel pelo
locatário relacionada com o seu emprego;
III - se
for pedido para uso próprio, de seu cônjuge ou companheiro, ou para uso
residencial de ascendente ou descendente que não disponha, assim como seu
cônjuge ou companheiro, de imóvel residencial próprio;
IV - se
for pedido para demolição e edificação licenciada ou para a realização de
obras aprovadas pelo Poder Público, que aumentem a área construída, em, no
mínimo, vinte por cento ou, se o imóvel for destinado a exploração de hotel
ou pensão, em cinqüenta por cento;
V - se a
vigência ininterrupta da locação ultrapassar cinco anos". (grifou-se)
Essa impossibilidade de adotar a accessio temporis para o caso de
denúncia vazia fica mais evidente quando se analisa o art. 47, V, da Lei de
Locações.
De acordo com o dispositivo, na hipótese em que o
ajuste locatício for verbal ou escrito, tendo o prazo inferior a 30 (trinta)
meses, a denúncia pode ser realizada pelo locador se a vigência ininterrupta
ultrapassar o lapso de 5 (cinco) anos.
Eis a redação do referido artigo:
"Art. 47. Quando ajustada verbalmente ou por
escrito e como prazo inferior a trinta meses, findo o prazo estabelecido, a
locação prorroga - se
automaticamente, por prazo indeterminado, somente
podendo ser retomado o imóvel:
I - Nos casos do art. 9º;
II - em decorrência de extinção do contrato de
trabalho, se a ocupação do imóvel pelo locatário relacionada com o seu
emprego;
III - se for pedido para uso próprio, de seu
cônjuge ou companheiro, ou para uso residencial de ascendente ou descendente
que não disponha, assim como seu cônjuge ou companheiro, de imóvel
residencial próprio;
IV - se for pedido para demolição e edificação
licenciada ou para a realização de obras aprovadas pelo Poder Público, que
aumentem a área construída, em, no mínimo, vinte por cento ou, se o imóvel
for destinado a exploração de hotel ou pensão, em cinqüenta por cento;
V - se a vigência ininterrupta da locação
ultrapassar cinco anos
Ora, o dispositivo acima deve ser utilizado nos
casos em que, apesar de haver diversos contratos, com sucessivas
prorrogações, o prazo de nenhum deles, considerado individualmente, for
superior a 30 (trinta) meses.
Em outras palavras, essa situação permite que o
locador denuncie o pacto se ocorrerem contínuas dilações, cuja soma dos períodos
for maior que 5 (cinco) anos.
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Em resumo: o art. 46, ao contrário do decidido
pelo Tribunal de origem, não admite a accessio
temporis, razão pela qual o pedido de denúncia vazia foi julgado improcedente.
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No mérito ficou assim decidido, in verbis:
Sílvio de Salvo Venosa explica a aplicação dos
arts. 46 e 47 da Lei Locações:
"(...)
Aplica-se o art. 47 sempre que a locação for verbal e quando o contrato
escrito inicial for inferior a trinta meses. Uma renovação contratual após o decurso
de um contrato inicial de vinte e quatro meses, por exemplo, não faz com que
a soma do contrato possibilite a denúncia vazia pelo art. 46". (VENOSA,
Sílvio de Salvo. Lei do inquilinato comentada. São Paulo: Atlas, 2015, págs.
236-267).
Por fim, a exposição de motivos da Lei nº de
8.245/1991 também encampa a perspectiva adotada no presente voto:
"(...)
Na proposta ora enviada a Vossa Excelência, garante-se uma estabilidade maior
ao locatário na ocupação do imóvel, que só poderá ser retomado após um prazo
mínimo de trinta meses , garantidos ainda mais seis meses para desocupação,
caso haja acordo judicial ou extrajudicial. Ao mesmo tempo, garantiu-se, ao
contrário da legislação vigente, a possibilidade de não renovação automática
do contrato.
Nos
contratos residenciais fixados por prazo inferior a trinta meses, a retomada
do imóvel só poderá ser viabilizada em hipótese especialíssimas, como para
uso próprio, para ascendente ou descendente, aplicando-se severas penalidades
ao retomado insincero. Ainda nos contratos com prazo inferior a trinta meses,
facultou-se ao locador a retomada ao término de cinco anos de utilização do
imóvel pelo locatário, assegurando-se, também por este mecanismo, a
necessária estabilidade do inquilino e de sua família" (SLAIBI FILHO,
Nagib. Comentários à nova lei do inquilinato. Rio de Janeiro: Forense, 1997,
pág. 549).
(III) Do
dispositivo
Ante o
exposto, dou provimento ao recurso especial para julgar improcedente o pedido,
nos termos do art. 487 do Código de Processo Civil de 2015.
Arcará o
autor - ora recorrido - com o pagamento das despesas processuais e honorários
advocatícios, estes fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado
da causa.
É o voto.
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a